sábado, dezembro 22, 2007

Theo e companhia


Pim Fortuyn (retrato de Jean Thomassen)

[Recensão publicada ontem no suplemento Ípsilon do Público.]

Sobre Ian Buruma, A morte de Theo van Gogh e os limites da tolerância, traduzido por Dalila Coutinho para a ed. Presença.


A 2 de Novembro de 2004, o cineasta Theo Van Gogh foi assassinado a tiro em pleno dia, no meio da rua, por Mohammed Bouyeri, um jovem de 26 anos, filho de imigrantes marroquinos. Depois de o matar, Bouyeri aproximou-se do corpo, rasgou-lhe a garganta com um punhal e deixou-lhe espetada no peito, com uma segunda faca, uma carta aberta com destino a Ayaan Hirsi Ali. Van Gogh e Ali, deputada nascida na Somália, tinham feito pouco tempo antes um pequeno filme de onze minutos, «Submissão», em que excertos do Corão apareciam projectados sobre a pele nua de várias mulheres. Tinham-se tornado nos mais notórios adversários da religião islâmica na Holanda.

O cineasta, a deputada e o homicida são três dos protagonistas deste livro; o quarto é Pim Fortuyn, político ostensivamente gay e ostensivamente anti-imigração, assassinado em 2002 no auge de uma carreira fulgurante que se havia iniciado apenas três anos antes. A morte de Pim Fortuyn, às mãos de um fanático dos direitos dos animais, era precisamente o tema do filme que Van Gogh estava a terminar quando foi morto. Mas as ligações entre Fortuyn e Van Gogh eram anteriores: cada um à sua maneira – um vaidoso da aparência cuidada e kitsch, o outro cultivador do desmazelo – eram dois provocadores que agitavam a «política do consenso» que dominara a Holanda na segunda metade do século XX. Ambos eram estridentes. Ambos eram anti-islâmicos, especialmente por causa da liberdade das mulheres e dos homossexuais. Ambos eram paradoxais. Fortuyn, que desprezava os imigrantes muçulmanos, gabava-se de ter tido relações sexuais com jovens marroquinos; e «fornicadores de cabras» não era, ainda assim, o insulto mais violento que Theo Van Gogh reservava aos praticantes da religião islâmica. Pim Fortuyn era, além disso, católico. Numa entrevista de 1999, afirmou: «Não quero cometer blasfémia, mas devo dizer que nos quartos escuros das discotecas para homens me vem à cabeça a atmosfera da liturgia católica. O quarto escuro que eu frequento em Roterdão não é totalmente escuro. É atravessado por uma luz velada, como numa catedral antiga. Há qualquer coisa de religioso em ter relações sexuais num lugar assim. (…) Um quarto escuro é decididamente excitante do ponto de vista erótico. Mais excitante do que uma igreja? Bem, não me ouvirão dizer isso. Achei bastante excitante ser rapazinho de coro» (p.49). Este é o homem que em 2004 seria eleito «o maior holandês de sempre» (como o nosso Oliveira Salazar) num concurso de televisão.

A morte de Theo van Goghé um livro de retratos: um ensaio no sentido mais preciso do termo, uma tentativa de aproximação. Fragmentário, construído sobre pequenas biografias, com enquadramento histórico e atenção ao estilo literário, não é um livro de tese. Discute questões políticas e filosóficas à medida da reportagem, mas não procura enformar aquilo que conta dentro de uma tese política muito definida: as reportagens nunca são meras «ilustrações» das ideias. Um dos grandes recursos de Buruma é a sua aptidão para pintar um retrato sociológico, para fazer uma caracterização traçando rapidamente um meio e uma genealogia. Mostra como o fenómeno Pim Fortuyn nasceu da crise da «política do consenso»; esboça o enquadramento ideológico e familiar de Theo van Gogh; descreve os «gastarbeiter» marroquinos – berberes, oriundos das montanhas remotas do Rif, não árabes – que emigraram para a Holanda e entre os quais nasceu Mohammed Bouyeri; conta o fascínio de Hirsi Ali com à sua chegada à Holanda, e a subsequente desilusão com uma sociedade que ela acha que cobardemente não enfrenta o extremismo islâmico. Este é também um livro atento à especificidade concreta de um país, e que foge a grandes proclamações sobre o Ocidente, o Islão, as «civilizações».

Buruma trata com nuances as recentes deslocações de fronteiras entre esquerda e direita sobre as questões do relativismo. Políticos conservadores reclamam-se dos valores do Iluminismo, mas esta linhagem é problemática. A iconoclastia que era característica dos pioneiros do Iluminismo – um Voltaire, tanto quanto um Marquês de Sade – não se encontra nos seus herdeiros recentes. «Os ícones sagrados da sociedade holandesa foram derrubados na década de 60 do século XX, tal como um pouco por todo o mundo ocidental, quando as igrejas perderam o controlo sobre as vidas das pessoas, quando a autoridade governamental era algo a desafiar, não a obedecer, quando os tabus sexuais eram rompidos em público e em privado, e quando – muito em linha com o Iluminismo original – as pessoas abriram os seus olhos e ouvidos a civilizações fora do Ocidente. (…) O apelo conservador aos valores do Iluminismo é, em parte, uma revolta contra uma revolta. Para muitos conservadores, a tolerância foi longe demais» (pp.32-33).

Ian Buruma é uma espécie de holandês. Nasceu em Haia em 1951, viveu lá até 1975, mas tem raízes cosmopolitas: de mãe inglesa, é sobrinho do cineasta John Schlesinger (o realizador de Cowboy da Meia-Noite ou O Homem da Maratona), com quem publicou recentemente um livro de entrevistas. Em jovem, viveu no Japão, país sobre o qual escreveu muito. Buruma é um escritor, mas não predominantemente de romances (tem apenas uma obra de ficção publicada); dá aulas numa universidade norte-americana, mas não é exactamente um académico. Escreve sobre uma grande variedade de temas, incluindo cinema, nos jornais mais famosos do mundo. A qualidade deste pequeno livro de Buruma está na hibridez do estilo – aquilo a que chamamos jornalismo.

Tudo isto merecia uma capa mais bonita e um título menos estrepitoso, uma subtileza mais literária, do que os da edição portuguesa. No original, uma pequena bicicleta caída sobre o fundo branco da capa evoca a bicicleta de Theo Van Gogh tombada na neve. O título – Murder in Amsterdam – é genérico e literário. Na versão portuguesa transforma-se num volume com ar descartável, colado à actualidade, de capa feia e título ligeiramente sensacionalista.

A tradução, não sendo má, precisaria de uma revisão que lhe limpasse alguns erros. Não lembra ao diabo traduzir filosofias «New Age» como «Nova Era» (p.85), mas o que é mesmo grave é confundir o Partido Nacional-Socialista Holandês (NSB, a formação nazi dos anos 1930 e 1940) com o Partido Socialista (p.67).

segunda-feira, dezembro 10, 2007

Qual foi o melhor livro que leu este ano?
Foi Assim, de Zita Seabra
Bilhete de Identidade, de Maria Filomena Monica
Eu, Carolina, de Carolina Salgado
pollcode.com free polls

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Neil Jordan



Eu não gostei de Jogo de Lágrimas e também não gostei de A Estranha em Mim por aí além. Mas eu gostar ou não gostar interessa pouco. O que me parece é que A Estranha em Mim tem inscrito em letras grandes que é produto da mesma mão que fez Jogo de Lágrimas. São filmes não apenas cheios de implicações morais, mas de interpelações morais ao espectador. São filmes com uma tonalidade sentimental carregada (que é do que eu gosto menos, mas lhes é intrínseco). São ambos filmes violentos, intensos, cujo formato de base (se a memória não me falha quanto a Jogo de Lágrimas) é o thriller. São filmes em que os «inimigos» - os protagonistas, que se encontram em lados opostos de uma fronteira moral, que aliás lhes é vital - são inimigos íntimos: Terrence Howard e Jodie Foster, Stephen Rea e Forest Whitaker. (São filmes em que um dos protagonistas é preto.) O facto de serem protagonizados por inimigos íntimos intensifica e humaniza o conflito moral que está a desenrolar-se, porque os espectadores são colocados dos dois lados da fronteira: os próprios protagonistas são tão próximos um do outro que parecem poder mudar de lado (embora, insisto, abracem vitalmente o lado que é o seu).
E, enfim, também são filmes muito eficazes, bem feitos, dentro de uma concepção perfeitamente mainstream e hollywoodesca. A Estranha em Mim tem inclusivamente alguns achados narrativos, como colocar o polícia Terrence Howard sistematicamente atascado em engarrafamentos de trânsito.

domingo, novembro 25, 2007

Alvalade XXI


A sala de cinema Raj Mandir, em Jaipur, no Rajastão, com 1200 lugares, e um foyer que só visto

Talvez uma das razões para a exuberância e romantismo kitsch dos filmes de Bollywood seja que, na Índia, ir ao cinema ainda é uma actividade social e uma actividade de massas.
Ultimamente, uma grande parte dos filmes que estreiam por cá parecem sitcoms ou jogos de computador.

A juntar a todas as outras coisas boas que há no Estádio de Alvalade, o cinema tem agora uma «sala Bollywood».

Stanley Cavell

Sou a pessoa que eu conheço menos capaz de ver um filme em dvd do princípio ao fim. Deve ter alguma coisa que ver com isto:
One of the things about film is the gigantism of the images, which dwarf you, which infantilize you, which make you speechless.

quinta-feira, novembro 15, 2007

Ui! E como rimos!

A crónica das amenidades trocadas entre Ana Gomes e Miguel Portas nos corredores do Parlamento Europeu não tem a gentlemanship das aventuras de João Carlos Espada nos clubs de Oxford. Em contrapartida, há já nelas uma promessa de encanto plebeu que merece ser acarinhada:

Ontem, enquanto votavamos no plenário do PE, onde agora somos vizinhos, demarcando onde acaba o PSE e começa o GUE na nossa fila, o Miguel Portas avisou-me que se tinha “metido comigo” no blogue. Rimos quando lhe ripostei: “era o que tu querias, que eu te desse trela...”.

A graça! O chiste! Encore un effort!

quarta-feira, novembro 14, 2007

A biologia

«No caso do PCP, só a biologia impediu que tenha a mesma direcção de 1941.»
[Rui Ramos, na crónica de hoje no Público.]

quarta-feira, novembro 07, 2007

A linha

Tenho isto aqui há uma semana, à espera que alguém pergunte.
A 5ª frase completa da pág.161 do livro que tenho mais à mão.

«Internally, Germany has a good deal in common with a Socialist state.»


[O ensaio em questão é «The Lion and the Unicorn: Socialism and the English genius», de 1940. A Alemanha a que se refere é a Alemanha nazi].

Gostava de saber qual é o livro que neste preciso momento têm mais à mão Pedro Ornelas, Penélope Cruz, Quentin Tarantino, Medeiros Ferreira e Iga A. (esta vai sem link porque há crianças a ver).

R.I.P.

Quem quer que tenha uma afinidade, mesmo que remota, com o comunismo como ideologia não pode deixar de se sentir um pouco descorçoado ao ler o artigo que o suplemento P2 do Público hoje dedica à revolução de Outubro. Meia-dúzia de intelectuais (ou aparentados) emitem meia-dúzia de proclamações, nem sequer enfáticas, de pendor sentimental sobre o comunismo. A questão que me parece interessante realçar é que hoje em dia não existe em Portugal qualquer partido que tenha o marxismo por ideologia: não o BE, evidentemente (a frase de Miguel Portas com que o texto termina tem pelo menos a virtude de o deixar claro), nem o PCP. Para o PCP, nem mesmo essa ideologia degenerada a que se chamou marxismo-leninismo funciona mais como cartilha. Em certo sentido, são todos já pós-ideológicos, não sabem para onde estão a ir nem têm grandes coordenadas que ajudem a orientar o caminho. Suspeito que aqueles que há vinte anos disseram que o comunismo morria com a queda do Muro tivessem muita razão.

sexta-feira, outubro 19, 2007

O prestígio de Lisboa

Custam-me a perceber os ganhos associados ao facto de Lisboa ter um tratado com o seu nome, mesmo admitindo que o tratado seja «histórico» e duradouro. Alguém foi visitar Maastricht para descobrir o solo fértil do sonho europeu?
O que traz inegável prestígio ao país e à cidade é uma temperatura de 27 graus no fim de Outubro. Quem é o jornalista, burocrata ou dirigente europeu que sai daqui sem vontade de regressar para um fim-de-semana com a namorada?

quinta-feira, outubro 18, 2007

A invasão do Iraque

A Turquia prepara-se para invadir o Iraque. George W. Bush avisa que tal opção «não é do interesse da Turquia», «há maneiras melhores de lidar com o assunto do que o envio massivo de tropas para o Iraque». Durão Barroso insta as autoridades turcas «a procurarem uma solução pelo diálogo e no âmbito do Direito Internacional».
A história repete-se - primeiro como tragédia, depois como farsa, dizia Karl Marx. Como tragédia, sim. Mas isto é mais paródia do que farsa.

segunda-feira, outubro 15, 2007

Música de intervenção

Canto «odeio», «rocks» ou «homem» como antigamente cantava «o paz, o pão, a habitação».

Aquecimento global (2)

Talvez não seja «global warming», e sim «global warm up».

Aquecimento global

É preciso desfaçatez para darem o Nobel ao Al Gore no fim deste Verão miserável.

sexta-feira, outubro 12, 2007

Reputo

Sobre o dito livro, o Público traz hoje (no Ípsilon) uma recensão que eu reputo de boa. Já o texto do New York Times sobre o mesmo livro eu reputo de muito bom, e o do The Hindu reputo de excelente. Achei também que esta entrevista é melhor do que o livro.

Tudo mentira

No dia 16 de Novembro de 1996, o Paulo Varela Gomes, que havia chegado à Índia talvez dois meses antes, escreveu-me uma carta com a seguinte passagem:

«Estás a ver aquelas fotografias de camponeses asiáticos de turbante na cabeça e telemóvel? (...) É tudo mentira.»

Eis a capa de um livro sobre a Índia recentemente publicado em Portugal:

Novilíngua


Menezes e Santana anunciaram ontem ter firmado «um acordo de colaboração institucional», que a imprensa e a televisão reproduziram sem pestanejar. «Institucional»? Que eu saiba, Menezes ainda é líder do PSD; mas qual é a instituição que Santana representa? «Institucional» tornou-se sem dúvida das palavras mais esculhambadas da língua portuguesa.

terça-feira, outubro 09, 2007

Palavras difíceis (2)

No editorial do Público de ontem, José Manuel Fernandes insurge-se contra a «defenestração» do cemitério israelita em Lisboa.

Palavras difíceis

No suplemento P2 do Público deste domingo, um artigo sobre a Bélgica assegura que Jacques Brel tem canções capazes de fazer «demover» uma pedra.

terça-feira, outubro 02, 2007

Não esquece

Quando eu era criança, havia uma pichagem lá para os lados do Lumiar (talvez na Avenida Rainha Dona Amélia, não estou certo) que dizia: «Até me dá diarreia/ de ver o Ângelo Correia». Nunca me esquece.

Já se consegue ler este blog no google reader, sem precisar sequer de visitar esta feiíssima página.

Foi assim. Quer dizer, mais ou menos


Também eu já li o Harry Potter português, o livro que arrasou as tabelas de vendas deste Verão. E, francamente, gostei: da descrição da vida na clandestinidade, de ficar a saber que Hitchcock era o cineasta preferido de Cunhal e das observações da primeira visita à URSS (pp.326-335), que mostram que mesmo Zita Seabra é capaz de escrever notas de viagem mais interessantes que as de Gonçalo Cadilhe. Pessoas que conhecem detalhes do período têm ficado furiosas com as imprecisões e falsidades que Zita Seabra comete; mas custa-me a crer que as pessoas que conhecem detalhes do período não conhecessem Zita. Claro que ela não é escrupulosa, nem é subtil. (Mas não é parva. Já lá vamos.)
Alguns erros factuais são evidentes, mesmo para quem não saiba nada dos meandros da história. Num país onde existissem editores (parece que Zita Seabra é a sua própria editora), ter-se-iam evitado muitas repetições e passagens mais grosseiras. Por exemplo, na p.356 Marx «retoma» no Manifesto Comunista (de 1848) os argumentos de Engels na Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, que é de 1884, quando Marx já residia no cemitério de Highgate. Na p.345, Cunhal é acusado de ser malévolo na escolha de Carlos Brito (em 1980) e Ângelo Veloso (em 1986) para candidatos presidenciais do PCP, no intuito de mais tarde, caso «fosse necessário», os culpar pelos maus resultados; mas até eu me lembro de que as candidaturas de Brito e Veloso nunca foram a votos, nem estiveram para ir.
Pareceu-me judiciosa, e sibilina, a analogia feita por Carlos Gaspar na contracapa: «Zita Seabra é como a França para Tocqueville: pode ser, à vez, objecto de admiração, de ódio, de piedade e de terror, mas nunca de indiferença.» Há ironia, certamente, em comparar Zita Seabra com a Revolução Francesa. Mas é uma forma polida de lá introduzir as palavras que interessam – o ódio, a admiração, talvez até a piedade. Zita Seabra suscita muitos ódios, mas dificilmente suscita desprezo. Foi Assim (isto é: mais ou menos assim) é um testemunho em certa medida autêntico sobre os últimos anos da ditadura, o PCP, Álvaro Cunhal, «a transição democrática». Alguma coisa se aprende vendo como funciona a cabeça desta personalidade, cuja determinação e coragem, pelo menos, são inquestionáveis.

quarta-feira, setembro 26, 2007

This parrot is no more

Disse há muito tempo que o obituário é a minha secção preferida no Economist. Continua a ser. O desta semana é uma pequena obra de arte.

Alex the African Grey
Sep 20th 2007
From The Economist print edition



Science's best known parrot died on September 6th, aged 31

THE last time Irene Pepperberg saw Alex she said goodnight as usual. "You be good," said Alex. "I love you." "I love you, too." "You'll be in tomorrow?" "Yes, I'll be in tomorrow." But Alex (his name supposedly an acronym of Avian Learning Experiment) died in his cage that night, bringing to an end a life spent learning complex tasks that, it had been originally thought, only primates could master.

In science as in most fields of endeavour, it is important to have the right tool for the job. Early studies of linguistic ability in apes concluded it was virtually non-existent. But researchers had made the elementary error of trying to teach their anthropoid subjects to speak. Chimpanzee vocal cords are simply not up to this—and it was not until someone had the idea of teaching chimps sign language that any progress was made.

Even then, the researchers remained human-centric. Their assumption was that chimps might be able to understand and use human sign language because they are humanity's nearest living relatives. It took a brilliant insight to turn this human-centricity on its head and look at the capabilities of a species only distantly related to humanity, but which can, nevertheless, speak the words people speak: a parrot.

The insight in question came to Dr Pepperberg, then a 28-year-old theoretical chemist, in 1977. To follow it up, she bought a one-year-old African Grey parrot at random from a pet shop. Thus began one of the best-known double acts in the field of animal-behaviour science.

Dr Pepperberg and Alex last shared a common ancestor more than 300m years ago. But Alex, unlike any chimpanzee (with whom Dr Pepperberg's most recent common ancestor lived a mere 4m years ago), learned to speak words easily. The question was, was Alex merely parroting Dr Pepperberg? Or would that pejorative term have to be redefined? Do parrots actually understand what they are saying?


Dr Pepperberg's reason for suspecting that they might—and thus her second reason for picking a parrot—was that in the mid-1970s evolutionary explanations for behaviour were coming back into vogue. A British researcher called Nicholas Humphrey had proposed that intelligence evolves in response to the social environment rather than the natural one. The more complex the society an animal lives in, the more wits it needs to prosper.

The reason why primates are intelligent, according to Dr Humphrey, is that they generally live in groups. And, just as group living promotes intelligence, so intelligence allows larger groups to function, providing a spur for the evolution of yet more intelligence. If Dr Humphrey is right, only social animals can be intelligent—and so far he has been borne out.

Flocks of, say, starlings or herds of wildebeest do not count as real societies. They are just protective agglomerations in which individuals do not have complex social relations with each other. But parrots such as Alex live in societies in the wild, in the way that monkeys and apes do, and thus Dr Pepperberg reasoned, Alex might have evolved advanced cognitive abilities. Also like primates, parrots live long enough to make the time-consuming process of learning worthwhile. Combined with his ability to speak (or at least "vocalise") words, Alex looked a promising experimental subject.

And so it proved. Using a training technique now employed on children with learning difficulties, in which two adults handle and discuss an object, sometimes making deliberate mistakes, Dr Pepperberg and her collaborators at the University of Arizona began teaching Alex how to describe things, how to make his desires known and even how to ask questions.

By the end, said Dr Pepperberg, Alex had the intelligence of a five-year-old child and had not reached his full potential. He had a vocabulary of 150 words. He knew the names of 50 objects and could, in addition, describe their colours, shapes and the materials they were made from. He could answer questions about objects' properties, even when he had not seen that particular combination of properties before. He could ask for things—and would reject a proffered item and ask again if it was not what he wanted. He understood, and could discuss, the concepts of "bigger", "smaller", "same" and "different". And he could count up to six, including the number zero (and was grappling with the concept of "seven" when he died). He even knew when and how to apologise if he annoyed Dr Pepperberg or her collaborators.

And the fact that there were a lot of collaborators, even strangers, involved in the project was crucial. Researchers in this area live in perpetual fear of the "Clever Hans" effect. This is named after a horse that seemed to count, but was actually reacting to unconscious cues from his trainer. Alex would talk to and perform for anyone, not just Dr Pepperberg.

There are still a few researchers who think Alex's skills were the result of rote learning rather than abstract thought. Alex, though, convinced most in the field that birds as well as mammals can evolve complex and sophisticated cognition, and communicate the results to others. A shame, then, that he is now, in the words of Monty Python, an ex-parrot.

quinta-feira, setembro 13, 2007

O cantinho da misoginia


Em conversa com um amigo, procurando mostrar-lhe como é genial O Pecado Mora ao Lado, conto-lhe a cena em que o protagonista imagina que vai ter a vizinha (Marilyn Monroe) em casa para jantar, que lhe vai pôr um disco e que ela exclamará: «Rachmaninov! My favorite!»; e depois a cena em que ele efectivamente tem Marilyn Monroe em casa para jantar, põe efectivamente um disco e ela pergunta: «That's what they call classical music, isn't it?», e boceja.
E com isto dou-me conta de não ter emenda.

sexta-feira, setembro 07, 2007


Um dos meus passatempos favoritos, por estes dias, é exclamar em voz alta: «Afinal aqueles malandros sempre mataram a menina!» E o que mais me agrada na frase nem é a conclusão precipitada sobre a culpabilidade, formada (mais uma vez) a partir de fugas selectivas. Não: o que verdadeiramente me encanta é a escolha das palavras. Os «pais» (neutro) são os «malandros» e a «filha» ou «criança» (neutro) é a «menina». E os malandros levam demonstrativo – «aqueles» –, ao passo que a menina recebe artigo definido – «a».
Ora digam comigo: «Afinal aqueles malandros sempre mataram a menina!»

terça-feira, agosto 07, 2007


Nos próximos quinze dias (vocês nem vão dar pela diferença), vou estar nesta ilha.

sexta-feira, agosto 03, 2007

Quinze


Já falei dos cursos de Verão da UNL, noutro contexto. Em Setembro, Abel Barros Baptista dará duas semanas de sessões sobre literatura brasileira, a que eu e outra pessoa que eu conheço tencionávamos assistir. O problema é que, até à data, parece que só há um inscrito, e serão precisos quinze para que o curso efectivamente funcione. Se há alguém a ler-me que esteja interessado, considere seriamente o assunto. O programa pede leitura prévia de Brás Cubas e contos de Machado de Assis, São Bernardo de Graciliano Ramos, e Laços de Família de Clarice Lispector. Para quem não estuda Letras (ou não as estuda na Nova) é uma oportunidade que não se arranja de outra forma. Passem a palavra.

quinta-feira, agosto 02, 2007

Bergman (2)


Foto AFP, publicada no International Herald Tribune

Deve ser extraordinariamente difícil escrever um bom obituário de Bergman. Li duas mãos-cheias, e as pequenas histórias revelam de menos, os detalhes são um tanto banais, e dois ou três adjectivos têm dificuldade em sintetizar um filme. Comecei por encarar com cepticismo o obituário do Economist (hoje online), que opta por um tom diferente, quase em espelho relativamente ao tom de Bergman. But it grows on you. Gostei deste parágrafo e resolvi traduzi-lo.

«No Inverno sueco, não havia sol. Uma luz cinzenta e baça surgia das nuvens, sem criar quaisquer sombras. As mudanças subtis de luz extasiavam Bergman, que decidiu que o filme inteiro devia ser iluminado assim. A luz forte, pelo contrário, era a dos seus pesadelos. Nos filmes, um súbito clarão pálido – de uma luz nua, de uma rua vazia – marcava habitualmente a entrada na psicose. (…) Bergman precisava de nuvens, de árvores e de cortinas de rede a velar a luz, a suavizá-la e a fazê-la mexer-se. Precisava de que a luz mudasse pouco e devagar: cintilando e desaparecendo num candeeiro de petróleo, ou escurecendo com extraordinária lentidão sobre um rosto (como escurecia sobre a cara de Liv Ullmann em Persona) até ficar apenas uma silhueta.» [continua.]

Passatempo de Verão

Estou a tentar fazer uma lista de dez filmes sobre o casamento. Como na blogosfera há muita gente que gosta de filmes, e que gosta de listas, resolvi pedir ajuda. O meu principal problema é que não conheço muitas coisas, inclusivamente entre aquelas que seriam, com toda a probabilidade, escolhas óbvias (Cukor, Lubitsch, Leo McCarey, Howard Hawks): preciso de conselhos. Além disso, há realizadores de que gosto muito e que talvez tenham alguma coisa adaptável - mas não me ocorre. Um Hitchcock? Um Rohmer? Mesmo um Ford? Conselhos são bem-vindos, para o email: teguivel@gmail.com.

Dez possíveis:

Family man, de Brett Ratner, 2000.

Eyes wide shut, de Stanley Kubrick, 1999.

Quatro casamentos e um funeral, de Mike Newell, 1994.

O inferno, de Claude Chabrol, 1994.

Maridos e mulheres, de Woody Allen, 1993.

Ata-me, de Pedro Almodóvar, 1990.

Cenas da vida conjugal, de Ingmar Bergman, 1973.

An affair to remember, de Leo McCarey, 1957.

O pecado mora ao lado, de Billy Wilder, 1955.

A Costela de Adão, de George Cukor, 1949.

Maridos e Mulheres, Eyes Wide Shut e O pecado mora ao lado (que no original se chama The seven year itch, uma certa comichão que aparece ao fim de sete anos de casamento) são indiscutíveis e não precisam de ser explicados. Cenas da Vida Conjugal suponho que também seja, embora nunca o tenha visto. Quatro casamentos e um funeral dificilmente ficará de fora, porque sempre gostei desse filme e, realmente, inaugurou uma espécie de género. (Há sobretudo a cena do funeral com poema de Auden e a cena final do não-casamento.) Também Ata-me não ficará de fora, o filme em que Antonio Banderas, depois de sair de um asilo de malucos, rapta uma actriz porno (Victoria Abril) e ata-a até que ela se decida a gostar dele – isto, para mim, é o filme sobre o casamento (e acaba bem). Temos seis.

Tenho alguma curiosidade sobre Family Man, com Nicolas Cage, em que ele é levado a contemplar duas versões da sua vida: se se tivesse casado, e se não se tivesse casado. Também nunca vi A Costela de Adão, e pode perfeitamente ser que outro filme de Cukor seja mais adequado (Philadelphia Story [1940]? A bill of divorcement [1932]? It should happen to you [1954]?). O mesmo se diga de Leo McCarey: tenho uma muito vaga ideia de An affair to remember (1957). Será preferível Lua sem mel [1942]? Ou Love affair [1939]? Se for uma comédia romântica + um Cukor + um Leo McCarey, ficamos com nove.

Vi e gostei do Inferno do Chabrol (com Emmanuelle Béart em todo o seu esplendor), mas não é indiscutível.

Outras hipóteses:

Casamento à italiana, Vittorio de Sica, 1964.

An ideal husband, Oliver Parker, 1999. Não conheço, mas sempre é uma adaptação de Oscar Wilde.

Crueldade Intolerável, que é divertido mas não está entre os melhores dos Coen, 2003.

A history of violence, David Cronenberg, que a minha irmã diz que é sobre o casamento (Maria Bello subitamente descobre que nada sabe sobre o cônjuge).

I love you to death, Lawrence Kasdan, 1990. Uma esposa e uma sogra italo-americanas encomendam a morte do marido, por conta das suas infidelidades. Muito divertido.

Bringing up baby (1938) ou A girl in every port (1928), de Howard Hawks.

The marriage circle (1924), de Lubitsch.

Salaam-e-ishq, Nikhil Advani, 2007. Uma espécie de Love Actually indiano, não é exactamente sobre o casamento. Óptimo nas coreografias e nas músicas.

segunda-feira, julho 30, 2007

Ingmar Bergman, 1918-2007


Verão com Mónica, 1952

Bergman morreu esta madrugada. Não pretendo aborrecer-vos com as minhas opiniões sobre o assunto, tanto mais que qualquer pessoa com um vago interesse por cinema conhece pelo menos um filme do realizador, e sentir-se-á autorizado ou talvez mesmo compelido a falar. O meu conhecimento é errático e superficial. Mas, mesmo a um olhar errático e superficial, uma coisa salta à vista. Os filmes de Bergman são diferentes dos de todos os outros génios, dos Chaplin, dos Hitchcock, dos Billy Wilder, dos Ford, mesmo dos alemães como Murnau ou dos nórdicos como Dreyer. Estão, por assim dizer, numa categoria à parte. Outro dia, na bilheteira da Cinemateca, uma senhora perguntava «quantos Bergmans ainda vão passar?» (no contexto do pequeno ciclo sobre Harriet Anderson) (por acaso, já tinham passado todos), e havia no tom (leigo) da pergunta um sinal deste reconhecimento. Bergman, de quem se falava em Lisboa na semana antes de ele morrer, estava também certamente (e ao acaso) noutras conversas de outras pessoas noutras partes do mundo, nesta semana como noutras, quaisquer semanas, como se ele estivesse (está) sempre presente por toda a parte.
Suponho que este carácter distintivo tem a ver com a forma como explora os indivíduos, como os filma, como «mostra» as suas implicações psicológicas sem as explicar. Talvez seja esta maneira de mostrar dimensões psicológicas - ao mesmo tempo tão próximas e tão insondáveis (que não são explicáveis por uma racionalidade abstracta, e ao mesmo tempo parece que as percebemos muito bem) -, talvez seja por isso que quis ver um tom especial na pergunta da senhora. «Quantos Bergmans ainda vão passar neste ciclo?» O olhar de Bergman tê-la-á implicado a ela especialmente, como me implicou a mim, e a gerações de permeio e daqui para a frente.
Vi alguns filmes, no final da adolescência, aí pelos dezoito anos: já não recordo bem quais, tenho disso uma lembrança difusa. Só dois filmes têm imagens muito claras na minha cabeça: Verão com Mónica (gosto mais deste título, o original, do que do explicativo Mónica e o Desejo das traduções) e Fanny e Alexander. Todos estivemos apaixonados pela Mónica, como dizia há dias o Bénard da Costa (certamente sem nenhuma originalidade), e estivemos apaixonados por ela de uma maneira diferente das outras paixões por actrizes/ personagens de cinema. Mas o mais forte, para mim o mais completo, é Fanny e Alexander, a história de família, o último antes de Bergman ter voltado a pegar na câmara, vinte anos depois, para fazer Saraband.

(E peço muita desculpa, que isto está cheio de opiniões.)

terça-feira, julho 24, 2007

Sábado, 19h30

windermere.jpg

Para quem esteja em Lisboa (e porquê sair, se este ano não há Verão) não é de perder, no Sábado, na Cinemateca (19h30, sala pequena), O Leque de Lady Windermere, adaptação de Oscar Wilde por Lubitsch. Quem não vir talvez não acredite que é possível adaptar em mudo o mestre do epigrama e não perder nada - da inteligência, do cepticismo, da empatia. (Costuma dizer-se do cinismo, mas não é justo. É uma história com uma heroína.)

sexta-feira, julho 20, 2007

Elogio de Manuel Monteiro

Está por prestar, parece-me, a justa homenagem a Manuel Monteiro, cidadão exemplar e até ímpar. Não me recordo de outro político de primeira linha (seis anos, salvo erro, seguidos à frente de um dos partidos históricos) que, caído na irrelevância, tenha prosseguido a sua actividade política como se nada fosse: campanha após campanha, semana após semana, petição após petição. Monteiro prossegue, com o mesmo tom e o mesmo sorriso, ainda que não tenha partido, nem apoiantes, nem dinheiro, nem propriamente uma causa ou ideias persistentes. Não se imagina o que ganhe; e no entanto persiste. Numa era de abstenção galopante e demissionismo cívico, é um modelo esquecido, o último ateniense entre os vivos.

Para dizer que

Hoje escreve no Público, na secção de livros, Luís Miguel Queirós, sobre os poemas ingleses de Fernando Pessoa. Como sempre, por si só justifica o €1,25 do preço de capa.

sexta-feira, julho 06, 2007

Cinema & pipocas


Começou esta semana na Cinemateca, e vai prolongar-se por todo o mês de Julho, um ciclo dedicado ao cinema de Bollywood («um país, um género: a Índia e o musical», às 15h30). Abriu com Aan - prestígio real, de 1951, filme que era acompanhado de uma folha enfática, entusiástica e, no geral, interessante de Antonio Rodrigues. Aan foi, ao que parece, um estrondoso sucesso comercial em Portugal à data de estreia: quatro meses seguidos em cartaz. O que a folha da Cinemateca não explica é por que razão este filme em particular obteve em Portugal tanto sucesso. Como se via Aan aqui nos anos cinquenta? Que ingredientes tinha o filme que encontraram eco no público português, de uma forma praticamente única em toda a história do cinema indiano?
De resto, o problema do contexto levanta outra pergunta. O cinema na Índia é uma actividade convivial, de grupo, com interrupções, entradas e saídas da sala, palmas, conversa, comida. Na Cinemateca sentamo-nos ordeiramente e sem intervalo. Vamos conseguir ver Bollywood assim?

Nem tudo é doce no maquiavelismo

[publicado no Monde Diplomatique – edição portuguesa, de Julho.]

Álvaro Cunhal e a dissidência da terceira via

Raimundo Narciso

Ed. Âmbar, Porto, 2007, 197 pp.

Quase duas décadas passadas, Raimundo Narciso conta a história do grupo que dissidiu do PCP em 1988-1991: é essa a «terceira via» a que o título se refere – confusamente, uma vez que, a partir de meados da década de noventa, Tony Blair popularizou a mesma designação num sentido totalmente distinto. O livro acrescenta alguma coisa do ponto de vista do detalhe histórico: a passagem mais viva é aquela em que Raimundo Narciso se descobre perseguido por espiões do próprio partido, numa noite de 1988, enquanto se dirigia a uma reunião «fraccionista». No que o livro é manifestamente insatisfatório é no plano da reflexão política. Por um lado (tal como o próprio grupo), apresenta a dissidência como tendo motivações «procedimentais» (falta de democracia interna, etc); mas, enquanto esteve de acordo com a linha política, Narciso (como ele próprio, honestamente, anota) nunca se incomodou com os procedimentos. Já quanto às razões políticas de fundo, elas são apresentadas sob a forma de uma desadequação da linha do partido à «realidade», evidência demonstrada na incompatibilidade com a «perestroika» (que dominava a URSS neste período, e até à sua extinção) e pela incapacidade do PCP, em Portugal, para influenciar directamente a esfera do poder político.
Sobre a cabeça dos militantes então «críticos» (depois dissidentes) pairava a acusação de aproximação ao PS – acusação que, no universo do PCP, se reveste de conotações que chegam a ser mais morais que políticas. O fantasma ainda paira sobre o livro, até porque Raimundo Narciso e outros (Pina Moura, Mário Lino, José Luís Judas, o falecido Barros Moura) efectivamente aderiram ao PS ao longo dos anos seguintes. Mas a resposta de Narciso é hoje a que era naquele tempo: que se trata de um processo de intenções, que o projecto não existia, etc. Em certa medida, tudo continua a colocar-se em termos de intenção, de dolo, de culpa. O que escapa ao seu discurso (como já então escapava) é saber que projecto político tinham os «críticos» que não fosse – rigorosamente – o mesmo que o PS já prosseguia. Que linha política propunham para o PCP que não fosse a adesão ao PS? Sobre esta questão o texto é omisso; e, se ela se punha na época, a passagem do tempo não fez senão reforçá-la. O que queriam os «críticos»? O que queria, ao menos, Raimundo Narciso?

Salva-se do livro a honestidade (às vezes, impressionante) do testemunho, o depoimento sobre a experiência da ruptura após uma vida de sacrifício pessoal (sacrifício que, com assinalável modéstia, Narciso nunca enfatiza), a documentação de alguns episódios e o sentido de humor.

«A análise da situação política trouxe as novidades do costume. A situação da economia piorou, a vida dos trabalhadores agravou-se, o isolamento do Governo cresceu e as análises políticas de Cunhal, ou do partido, confirmavam-se inteiramente como se ‘previra e prevenira’. Salvo nuances e as circunstâncias de cada momento a análise era esta desde que o PCP deixou de participar no Governo em 1976 e estava ‘correctíssima’. A situação económica do país, de acordo com as análises de Cunhal e Carlos Costa, baseadas no trabalho da Comissão de Actividades Económicas que Carlos Carvalhas condimentava ao gosto do sexto andar [direcção] antes de lhas transmitir, piorava sempre, sempre, dia após dia, mês após mês, ano após ano, sem intervalo, nem fôlego. Abismávamo-nos com os abismos em que já estaria o país, felizmente sem que os Portugueses tivessem dado por isso.» [p.81]

Não se salva a qualidade da edição – mal revista, mal pontuada, com fotografias de péssima impressão, e isto num livro que traz vinte euros como preço de capa. Lido com atenção, transpira nele uma certa ambivalência de Raimundo Narciso sobre os métodos de Cunhal e do PCP, entre a rejeição e a simpatia por uma certa eficácia, um certo maquiavelismo. Hélas, na ausência de uma linha política, a eficácia é sempre o único critério que resta.

quarta-feira, julho 04, 2007

Back in 2003

Aliás, foi ontem.

Brzezinski


Na Câmara Corporativa, o vídeo de uma apresentadora de televisão que se recusa – em directo – a abrir o noticiário com uma história sobre Paris Hilton. O programa é o informativo da manhã do canal MNSBC de 26 de Junho deste ano. Quando a produção volta a pôr-lhe nas mãos o mesmo texto, ela sai e vai destruí-lo numa daquelas máquinas de desfazer papel. Há uma curiosidade adicional: Mika Brzezinski, a jornalista, é filha do antigo Conselheiro Nacional de Segurança dos EUA (durante a presidência de Jimmy Carter) Zbigniew Brzezinski, que continua a ser um dos especialistas norte-americanos mais relevantes em política internacional do campo «Democrata».

A ponte

A ponte é uma passagem/ pra outra margem, cantavam os Jáfumega já há muitos anos. Na Golden Gate Bridge de São Francisco (de que a velha Ponte sobre o Tejo é uma cópia), os versos ganham um sabor mais metafísico, sabendo que se trata de um dos lugares mais utilizados no mundo para tentar o suicídio. Confiando nas estatísticas, uma equipa de cinema norte-americana colocou uma câmara apontada à ponte durante um ano, e esperou que caíssem. Literalmente.
O resultado é A Ponte, um filme que está em exibição nas Amoreiras. Palavras definitivas sobre o assunto foram escritas por Luís Miguel Oliveira no Público. Cito de memória: filmar o suicídio como um dispositivo de suspense (salta, não salta) não lembrava ao diabo. E: com a propagação do you tube, A Ponte é um modelo que será repetido muitas vezes no futuro.
Em suma, trata-se com toda a certeza do filme mais asqueroso do ano. As imagens dos suicídios (reais) são intervaladas com entrevistas a familiares e amigos dos suicidas; mas entrevistas muito superficiais. Não há dados, não há informação, não há propriamente ideias nem novidades sobre o suicídio: o sumo é poder ver o acto em si. Salva-se o depoimento de um rapaz que, ao saltar da ponte, se deu conta de que não queria morrer, e conseguiu endireitar o corpo, de maneira que ficou apenas muito partido. Confrange encontrar críticos que viram inteligência ou profundidade ou substância no filme.

«"The Bridge" is too busy jumping from one mini-biography to the next and popping in artful shots of birds and clouds. The film offers no statistics, no questions and no new revelations». Aqui.
«The decision to keep the process of filming out of the film robs it of too much context.»
Aqui.

Cenas da luta de classes (2)

É pena que o texto de Timothy Garton Ash sobre São Paulo, no Guardian da semana passada, seja tão pobrezinho. Para dizer estas banalidades não era preciso sair de Oxford. Uma passagem, porém, é exata:

As descrições feitas por pessoas de esquerda sobre o que é a vida nos bairros pobres de São Paulo, no decorrer de um excelente almoço num dos extraordinários restaurantes da cidade, começam sempre por «A minha empregada». Como na frase: «Minha empregada se levanta todo o dia às quatro da manhã para estar no meu apartamento às oito.»

Assisti a conversas exactamente assim. Lembro-me em particular de um jantar em Ipanema. A empregada era necessária para tomar conta das crianças pequenas. Como morava longe, entrava às segundas às oito da manhã, e saía ao sábado ao fim do dia; folgava ao domingo. A própria empregada tinha filhos pequenos, que via uma vez por semana, e que eram criados por familiares e vizinhos.
E lembro-me desta conversa porque a senhora – uma senhora simpática, decente, civilizada – estava um pouco incomodada por ter acabado de despedir a dita empregada, depois de esta chegar atrasada ao trabalho duas segundas-feiras. Ia ser um transtorno, as crianças estavam muito acostumadas com a rapariga.

terça-feira, junho 26, 2007

Cursos de Verão na UNL


Têm-se visto muitas universidades de Verão, mas poucas com uma adequação tão perfeita entre a estação do ano e a matéria leccionada.

segunda-feira, junho 25, 2007

Resumo da manhã informativa

Situação muito complicada no IC 19 e no Sul do Líbano.

quinta-feira, junho 21, 2007

Depois de ler a resposta da Helena Matos (hoje) a este texto do Rui Tavares, a gente começa a imaginar se o título do blog dele é alguma piada sobre ela.

terça-feira, junho 19, 2007

Tesourinhos deprimentes: «isto é uma mais-valia»


Helena Roseta a celebrar o Santo António, que já tinha celebrado ontem. Isto chegou-me por email.

Isto demora


Marina Hands, em quem toda a gente reparou

A adaptação francesa de O Amante de Lady Chatterley, que se estreou há dias, merece a atenção que se lhe tem estado a dar. A primeira coisa que me surpreendeu foi a forma como é filmada a natureza: flores, plantas, chuva, talvez insectos e bichos (não me lembro). É uma maneira muito incomum, porque geralmente tem-se demasiado medo de ser piroso. Mas a cineasta francesa capta com muita justeza a concepção «quase panteísta» (a expressão é do Mexia, no ípsilon de sexta) presente naquele amor, a forma como o deslumbramento amoroso dos dois é intrinsecamente sexual, portanto físico, portanto em comunhão com a natureza.

A segunda coisa é a relação entre os protagonistas, amantes, a forma como evolui. O filme é longo: tem mais de duas horas e meia. Mas é longo porque é lento, e é lento porque a lentidão faz falta ao desenvolvimento da relação entre as duas personagens: uma relação em que muitas coisas se passam sem serem ditas. Imagino que fosse possível fazer avançar a «acção» mais depressa se mais coisas fossem postas em palavras; mas, para que aquele amor funcionasse, era importante que as coisas fossem sobretudo mostradas, vistas, não-ditas. Se o filme é longo, é por uma boa razão: parece-me merecedor dos muitos elogios e prémios que tem recebido.

segunda-feira, junho 18, 2007

Uma forma de batota

Duas ou três semanas atrás, eu comprei o Público, como faço aos sábados e apenas aos sábados. Mas, nesse dia, o artigo mais interessante não era a crónica do Mexia nem o texto do Pacheco Pereira, como costuma ser, e sim uma entrevista no P2 com um psicólogo de Harvard sobre o mais improvável dos assuntos: a felicidade. Dava-se a circunstância de nessa mesma semana o dito psicólogo (Daniel Gilbert) vir a Lisboa, à Culturgest, falar sobre o tema, no âmbito de um seminário sobre A busca da felicidade. Registei na agenda.

E foi, de facto, um excelente seminário, bem organizado, com uma série de oradores de topo na matéria em questão. A conferência de Daniel Gilbert foi, muito simplesmente, a conferência mais estimulante, divertida, entretinente a que eu alguma vez assisti: uma hora como se fosse um concerto de música pop, e realmente havia qualquer coisa de pop na personagem. O livro, que encomendei na amazon, chegou hoje. Li até agora apenas o prefácio: todas as frases são divertidas, o que por outro lado, de certa maneira, até aborrece. Sinto-me incapaz de elaborar juízos críticos, literalmente subornado pelo sentido de humor.

Também já está à venda na fnac, no original, e até com uma tradução portuguesa.

quinta-feira, junho 14, 2007

Orquídea selvagem

[ou Let's start a magazine]

Gostei realmente muito do texto autobiográfico de Rorty, de tal forma que me apeteceu traduzi-lo. Mas seria preciso fundar uma revista para o publicar, e isso é que já dá mais trabalho.

I am sometimes told, by critics from both ends of the political spectrum, that my views are so weird as to be merely frivolous. They suspect that I will say anything to get a gasp, that I am just amusing myself by contradicting everybody else. This hurts. So I have tried, in what follows, to say something about how I got into my present position - how I got into philosophy, and then found myself unable to use philosophy for the purpose I had originally had in mind. Perhaps this bit of autobiography will make clear that, even if my views about the relation of philosophy and politics are odd, they were not adopted for frivolous reasons. [continua.]

quarta-feira, junho 13, 2007

Assim foi Gena Rowlands


Uma resposta sombria a E Deus Criou a Mulher. O que Deus faz, Deus desfaz.

Hollywood


Na versão de Hollywood do blog Estado Civil, Ryan Gosling fará o protagonista.

terça-feira, junho 12, 2007

Rorty, da ironia


Não foi pelos jornais, mas pelo Rui Tavares que me dei conta da morte de Richard Rorty, filósofo americano, pragmatista, aqui há dias. O Guardian traz hoje um excelente obituário.


Rorty certainly delighted in being provocative, even claiming that, despite George Orwell's famous "freedom is the freedom to say 2 + 2 = 4", the only real problem with Winston (in Nineteen Eighty-Four) coming to believe that 2 + 2 = 5 is that the belief is induced by torture, truth being irrelevant.


Também gostei muito de uma carta de um leitor que aparece no blog de Andrew Sullivan, estabelecendo afinidades entre Rorty (um social-democrata) e o conservadorismo de Oakeshott.


For most on the right, Rorty is merely a symbol of the country's slow slide into post-modernism and relativism. You avoid that stupid sticky brush, but still do not give him enough credit. Your political conclusions may have differed, but your underlying commitments are very much the same. Rorty was a progressive and a liberal, but he was your kind of liberal.


O texto do Los Angeles Times tem um tom amargo, mas inclui esta definição:

Rorty had an astonishing combination of cynicism and idealism, a quality he called «irony».

Pelo aspecto pessoal, vale a pena ler a nota de Habermas.

I received the news in an email almost exactly a year ago. As so often in recent years, Rorty voiced his resignation at the "war president" Bush, whose policies deeply aggrieved him, the patriot who had always sought to "achieve" his country. After three or four paragraphs of sarcastic analysis came the unexpected sentence: "Alas, I have come down with the same disease that killed Derrida." As if to attenuate the reader's shock, he added in jest that his daughter felt this kind of cancer must come from "reading too much Heidegger."

Que eu saiba, há dois livros de Rorty editados em Portugal. Um é A Filosofia e o espelho da natureza, o livro que, em 1979, o fez famoso. Diz Rorty que essa obra teve sucesso porque foi vista como uma espécie de sequela a A Estrutura das Revoluções Centíficas, de Thomas Kuhn (sem edição portuguesa) – e foi precisamente por essa ordem que me veio parar às mãos. Não sei se a tradução portuguesa é aceitável (não li), mas estava na semana passada à venda, com uma capa bonitinha, no pavilhão de saldos da Dom Quixote na feira do livro de Lisboa, por 5 euros. O outro livro é Contingência, Ironia e Solidariedade (1989), que faz a ligação entre as convicções de Rorty sobre a natureza do conhecimento e as suas convicções políticas, através do conceito de ironia. É também, ao mesmo tempo, uma defesa da ficção, da literatura, do cinema, e de uma concepção das Humanidades que não faz distinções entre disciplinas nem tem ambições «científicas». Infelizmente, a tradução portuguesa, da Presença, é mazinha, dá o seu trabalho a decifrar. É o género de tradução que se lê fazendo mentalmente o trabalho de tradução ao contrário: tentando descobrir o que é que o autor teria escrito no original, e que com a pata do tradutor resultou assim.

segunda-feira, junho 11, 2007

Justiça poética

No post anterior, sobre coisas descuidadas, mal-escritas, aparece, apropriadamente, uma gralha: «granjeado», e não «grangeado». Aliás, não é bem uma gralha, porque não foi lapso: eu não tinha era a mínima ideia.

Difícil amar a pátria

Numa das primeiras cenas de Zodiac, um policial neste momento em exibição nos cinemas, um personagem grita, segundo as legendas da versão portuguesa: «Fodão-se e morram!»

Em 1982, o historiador britânico Antony Beevor publicou uma História da Guerra Civil de Espanha, que teve tradução em português. Posteriormente, o mesmo autor publicou vários livros de história sobre batalhas decisivas da II Guerra Mundial, designadamente Estalinegrado e a queda de Berlim, que estão ambas traduzidas em Portugal. No ano passado, Beevor refez, com base no conhecimento hoje disponível dos arquivos soviéticos, a sua História da Guerra Civil de Espanha, que em consequência praticamente duplicou de tamanho. Esta obra foi considerada um dos livros do ano por diversas publicações internacionais. Aproveitando a ocasião, e o prestígio grangeado no mercado nacional pelos livros sobre Estalinegrado e Berlim, o editor português resolveu republicar a edição de 1982, sem nenhuma espécie de esclarecimento e sem nenhuma melhoria na tradução - ao que me dizem, péssima. Esta é portanto a única versão disponível em português, que é vendida, por um balúrdio, como se fosse nova. Podemos sempre ler a tradução espanhola (ao que se diz excelente) da edição refeita. Assim farei.

O livro de Raimundo Narciso sobre a dissidência do PCP em 1988-91, publicado pela Âmbar, é uma obra curta, dividida em três partes (contexto-crise-epílogo), a última das quais ocupa um total de dez páginas. O livro tem os seus méritos, de que falarei noutra altura, mas é também uma floresta desordenada de vírgulas, que só se consegue ler com esforço. Está ilustrado por várias fotografias, todas a preto e branco e todas, sem excepção nem para a capa, muitíssimo mal impressas. Está ao dispor nas livrarias contra a módica quantia de 20 (vinte) euros.

Audio edition

Quem vive na periferia tem a vantagem de passar muito tempo em comboios, barcos ou outros transportes públicos agradáveis, que oferecem condições perfeitas para ler. Quem, como eu, vive no centro da cidade não tem a mesma sorte, e pode acabar por ser difícil dar conta do Economist numa só semana. Conheço gente que aproveita as folgas para se meter em comboios, tentando ler alguma coisa de seguida. Deve ter sido a pensar nestes que o Economist se lembrou agora de criar uma edição audio. Eu ando muito a pé, com a revista a falar-me ao ouvido. Não é tão bom como ler. É talvez parecido com a experiência da leitura rápida, perde-se um bocado do prazer e uma parte do sentido. Mas a verdade é que, por via auricular, esta semana «li» muito mais coisas do que habitualmente. Estes foram os meus favoritos da semana.

quarta-feira, junho 06, 2007

Adoro o campo

A secção de cartas do Economist vale, só por si, o preço da revista.

SIR – Your special report on cities overlooked the environmental benefits they provide (May 5th). For instance, cities are more energy efficient to live in than the countryside. I spent seven years living in London, in which I drove an average of 5,714 miles a year mainly visiting family in Norfolk. Last year, to be closer to that family, I moved to a rural village close to Norwich. Since then, I have driven 10,000 miles in just one year. Villages and rural communities lack economies of scale and are incapable of delivering the same network effects as cities. They are inherently inefficient, evidenced by their under-used post offices, bus services, schools, branch railway lines and "cottage" hospitals.
The state should no longer subsidise the private pursuit of Arcadia through expensive public services for remote and sparsely populated areas. Instead, the countryside should be considered a luxury—reserved for wildlife, unmanned agricultural vehicles and electric coaches full of gawking tourists. We should abolish villages and make everyone live in towns of at least 25,000 people.

Huw Sayer
Norwich

domingo, junho 03, 2007

Como falar de livros sem os ler

[ou: Como não falar de livros sem os ler?]



O pacote de dezassete livros expedidos de Deli a 10 de Fevereiro, por mar (mas o mar não é em Deli), ao preço da chuva, chegou finalmente. No geral, em bom estado. A outros, aconselho que metam os livros num pacote de cartão, e não em sacos de plástico; o resultado será melhor. Por sobre o plástico, a embalagem de pano foi cosida à mão por um funcionário dos correios de Deli, e revelou-se bastante resistente. O trajecto que estes livros terão feito dava uma boa história: é olhar para o mapa e começar a imaginar. Livros sobre a Índia (os Naipaul, dois romances do Rushdie, Dalrymple, etc.) e livros que não têm nada que ver com a Índia mas eram baratos (os três volumes de história do século XIX de Hobsbawm, um livro de Julian Barnes sobre os franceses, etc.). E livros que comprei porque a livraria era boa, surpreendente, não muito barata para padrões indianos, mas alguma coisa havia que comprar. Foi o caso deste Sven Lindqvist, autor de Exterminem todas as bestas (Caminho), numa livraria pequena e maravilhosa em Deli.
O livro - e é o primeiro caso que eu conheço assim - não tem numeração de páginas. Tem entradas, um pouco menos de quatrocentas. Da entrada nº1 remete para a 163 (ou coisa parecida), depois para a 48, e por aí adiante, até chegar ao fim, até onde não há mais sequência de entradas, ou onde se regressa à entrada nº1. Pode ler-se por esta ordem (parece que é cronológica, se vi bem), mas também se pode ler sequencialmente pela numeração (de 1 para 2 para 3, etc.), e nesse caso a organização é temática ou «associativa». E, claro, também se pode ler por outra ordem qualquer, simplesmente experimentar entradas ao acaso, folhear. Até agora, foi o que fiz.

A minha referência sobre Lindqvist era um texto muito entusiástico de Mega Ferreira sobre esse outro livro publicado na Caminho. Na minha cabeça, A History of Bombing arrumou-se junto de On the Natural History of Destruction, de Sebald (que também não li).

O funcionário dos correios de Deli

Esperámos uma hora e meia de uma manhã de chuva, na estação dos Correios, pelo funcionário que viria preparar a embalagem. Era o único competente para desempenhar a missão. Cortou e coseu durante meia hora. Despedi-me dos livros como se estivesse a pagar para os deitar para o lixo.








Mas chegaram até aqui.

sábado, junho 02, 2007

Tardes de sábado



Pedro Lomba diz que a revista do NYT é «talvez a melhor revista do mundo». Cá está: a sempre arreliadora gralha. Quer dizer, a revista do Financial Times é certamente uma das melhores do mundo. Estou de acordo com ele. O FT magazine, que ainda não percebi há quanto tempo existe nem com que periodicidade sai, aparece de vez em quando com o jornal de sábado (não confundir com o suplemento How to spend it). Inclui muitas das secções do magnífico caderno de todos os sábados, Life&Arts, designadamente ótimas recensões, a entrevista ao almoço, a coluna Dear Economist, etc. Mas é em formato revista, é um magazine, como esses que ao domingo os jornais publicam, só que em bom, bem escrito e com boas ideias. «How to judge a book by its cover» é talvez a secção de que eu gosto mais: vejam, por exemplo, este texto sobre esta capa.

The cover of The Year of Magical Thinking is much like Didion's prose: austere, elegant and direct. On an ivory background, seven words appear in slender black capitals, arranged in five lines.
The font, Hoefler's version of Didot, adds to the sense of refinement.
Look again and a few of the letters emerge as blue, not black: the J in Joan, the O in Didion, the H and the N in thinking. The ghostly trace of Didion's beloved husband John Gregory Dunne - whose death and its aftermath are the subject of this memoir - haunts the cover as much as it does the pages that follow.
The designer, Carol Devine Carson, told me that this was her first and only concept («The JOHN letters were grey at first, but Joan wanted a bit of colour»). When I mentioned how miraculous it was that the letters of the name happen to fall in this order, she said: «I just saw the name unveil itself, like someone speaking to me.»
Graphic designers need great visual instincts, but they have to be word people too. Carson's cover is brilliant, yet risky. Many people don't see it.
As Carson said: «There are still a few people in this building who may have just found out the secret message. Subtle, yes. But I think that fits the book, really.»