Também eu já li o Harry Potter português, o livro que arrasou as tabelas de vendas deste Verão. E, francamente, gostei: da descrição da vida na clandestinidade, de ficar a saber que Hitchcock era o cineasta preferido de Cunhal e das observações da primeira visita à URSS (pp.326-335), que mostram que mesmo Zita Seabra é capaz de escrever notas de viagem mais interessantes que as de Gonçalo Cadilhe. Pessoas que conhecem detalhes do período têm ficado furiosas com as imprecisões e falsidades que Zita Seabra comete; mas custa-me a crer que as pessoas que conhecem detalhes do período não conhecessem Zita. Claro que ela não é escrupulosa, nem é subtil. (Mas não é parva. Já lá vamos.)
Alguns erros factuais são evidentes, mesmo para quem não saiba nada dos meandros da história. Num país onde existissem editores (parece que Zita Seabra é a sua própria editora), ter-se-iam evitado muitas repetições e passagens mais grosseiras. Por exemplo, na p.356 Marx «retoma» no Manifesto Comunista (de 1848) os argumentos de Engels na Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado, que é de 1884, quando Marx já residia no cemitério de Highgate. Na p.345, Cunhal é acusado de ser malévolo na escolha de Carlos Brito (em 1980) e Ângelo Veloso (em 1986) para candidatos presidenciais do PCP, no intuito de mais tarde, caso «fosse necessário», os culpar pelos maus resultados; mas até eu me lembro de que as candidaturas de Brito e Veloso nunca foram a votos, nem estiveram para ir.
Pareceu-me judiciosa, e sibilina, a analogia feita por Carlos Gaspar na contracapa: «Zita Seabra é como a França para Tocqueville: pode ser, à vez, objecto de admiração, de ódio, de piedade e de terror, mas nunca de indiferença.» Há ironia, certamente,