quinta-feira, janeiro 31, 2008

Actualidade política


Um ou outro jornalista tem a amabilidade de me telefonar a pedir que eu fale sobre o novo ministro da Cultura no plano pessoal – peculiaridades, idiossincracias, restaurantes onde gosta de almoçar, livros que lê. Mas há neste exercício uma dimensão sempre mítica, os livros e os filmes e as comidas que hão-de definir aquilo que a pessoa é. Ora, conheço demasiado bem a pessoa, realmente, para poder ter um discurso adequado ao exercício.

quinta-feira, janeiro 03, 2008

A minha passagem de ano

Muito generoso, inteligente e com grande sentido de humor. Basta dar uma volta pelos blogs para ver que toda a gente diz o mesmo sobre o Olímpio, e eu não sei acrescentar nada. Leiam, por exemplo, o José Mário Silva, que o encontrava nos mesmos sítios que eu.


Tive a notícia pelo jornal, duas ou três horas antes da mudança do ano, entre a crónica do Rui Tavares e o anúncio necrológico. Mesmo depois de os ler, demorou uma meia-hora até cair a ficha, perceber que o Olímpio era mesmo o Olímpio. Ao princípio, foi literalmente inconcebível; depois, admiti a ideia, e mais tarde ganhei coragem para falar dela. Houve uma coisa, no entanto, que ajudou a perceber que era ele mesmo: uma linha só, no anúncio do funeral, que sugeria ser ele, porque não se escrevem coisas assim para muita gente.
É banal dizer que é uma morte injusta. Neste caso, provavelmente só os que o tiverem conhecido saberão o que isto significa.

Stumbling and mumbling em Paranoid Park


Voltei a ver Paranoid Park, e ainda gostei mais à segunda. O filme assenta em grande medida sobre uma narração em voz-off, feita pelo protagonista. Acontece que o protagonista é adolescente e, como é comum entre os adolescentes, não tem uma dicção clara. Pelo contrário, as palavras tropeçam, numa mistura entrecortada de sons abruptos e murmúrios. Ler, de qualquer forma, é uma coisa difícil, e as pessoas comuns aprendem a ler bem relativamente tarde. Confiar a narração a um adolescente implica aceitar o risco destes stumbles and mubmles, desta coisa um pouco árida, às vezes um pouco estúpida. A estratégia de Gus van Sant foi levar essa opção até ao fim: na voz que nos apresenta a história e na própria história, que vai atrás e à frente, construindo-se sobre hiatos, à medida que o adolescente reconstrói o que se passou.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Dez filmes de 2007

(mas afinal são só cinco)


O filme do ano, e quase me apetecia dizer o único filme do ano, foi Tarantino. Ele faz aquilo que mais ninguém faz. Acção e efeitos especiais lowtech, diálogos sem conteúdo e uma perseguição automóvel final que dura vinte minutos. Foi o mais enjoyable, o mais extremo, o mais divertido; o mais inteligente, chocante e surpreendente também. Tenho a impressão de que começámos a vê-lo como uma diversão de que se conhecem as regras, e depois, passo a passo, as regras vão sendo quebradas, as fronteiras superadas e a gente pergunta-se até onde é que aquilo pode ir. Na sala onde eu estive, o final foi saudado com uma gargalhada: acho que não foi só humor; foi também um riso de tensão, adrenalina libertada. Não houve nada que se chegasse, em 2007, a este filme de duplos e perseguições de automóvel.



Mas Gus van Sant é também um autor muito peculiar. Talvez não se dê suficiente atenção a isso. Digo-o independentemente de se gostar mais de uns filmes do que de outros, e eu sem dúvida gostei muito de Elephant e de Paranoid Park e calhou nem sequer ter visto, por exemplo, Last Days ou Drugstore Cowboy. Em Abril deste ano, completamente por acaso, deparei-me, numa exposição na Cinemateca francesa, com um filme de quarenta minutos, de Alan Clarke, sobre a violência na Irlanda do Norte, realizado no final da década de oitenta. O filme chama-se «Elephant» e a primeira coisa em que se repara, quando se começa a olhar para ele, é que é o «Elephant» de Gus van Sant (de 2003). Van Sant transpôs, não uma história, mas uma maneira de filmar, uma sequência de planos, para um cenário diferente, para um massacre num liceu americano no final dos anos noventa. Este é também o autor que, dez anos atrás, filmou Psico de Hitchcock, repetindo-o, cena por cena. Há um pouco disto tudo em Paranoid Park, no génio de transpor a música de Nino Rota feita para os filmes de Fellini para o cenário de um crime de adolescentes numa pequena cidade dos EUA. Talvez Paranoid Park seja, como alguns dizem, demasiado parecido com Elephant: os planos, a circularidade da história, etc. Mas é, ainda assim, surpreendente e bonito. Óptimo cinema, óptimo cineasta: o segundo dos meus filmes do ano.

Climas, o turco, talvez pudesse, talvez merecesse, ficar em segundo lugar. É quase cinema mudo.


Clint Eastwood teve uma excelente ideia com os dois filmes sobre a batalha de Iwo Jima. Não desprezando o aspecto visual de Cartas de Iwo Jima, eu acho que o filme a sério é As Bandeiras dos Nossos Pais, em que o realizador trabalha material que conhece e um meio em que sabe mexer-se. Todos os momentos de flashback em Cartas são pavorosos, e toda a construção das personagens japonesas, do ponto de vista das motivações e da sua lógica, é de papelão e inverosímil, o que não acontece com os soldados americanos das Bandeiras. Gostei dos dois, mas o melhor é este.

A fechar a lista um filme francês, uma boa surpresa: lento, demorado
, Lady Chatterley mostra coisas quase impossíveis de filmar (a natureza, as borboletas, as flores, a chuva) e com dois grandes actores.

A minha lista de 2007 é então assim:
  1. Death Proof, de Quentin Tarantino





  2. Paranoid Park, de Gus Van Sant
  3. Climas, de Nuri Bilge Ceylan
  4. Flags of Our Fathers, de Clint Eastwood
  5. Lady Chatterley, de Pascale Ferran

2007 não dá para dez. Foi fraquinho.

Ainda assim, Torre Bela, o filme de Thomas Harlan sobre a ocupação de uma herdade no Ribatejo durante o PREC, caberia na lista se fosse um filme de 2007. Não é, embora tenha conhecido este ano uma espécie de estreia, com a exibição no cinema King. As razões para o incluir na lista seriam cinematográficas; a Medeia Filmes é que não fez justiça a isso, exibindo-o em cópia DVD, sem avisar os espectadores e sem reduzir o preço do bilhete (coisa que já vem sendo hábito).
Outro filme que podia estar na lista é Retour en Normandie, do realizador de Ser e Ter, em que Nicolas Philibert regressa, trinta anos depois, aos actores e aos lugares de Eu, Pierre Rivière, que degolei a minha mãe, a minha irmã e o meu irmão, feito em 1976 por René Allio, com o próprio Philibert como assistente. O filme não teve, nem terá, estreia comercial; vio-o no DocLisboa. Acho Philibert – um documentarista – um cineasta de mão-cheia, pela capacidade para filmar as pessoas e as ouvir. Se tivesse estreia comercial, seria sem dúvida um dos filmes do ano.
Menções honrosas ainda para As Cartas de Iwo Jima, pelas razões aduzidas, Il Caimano (que, não sendo do melhor Moretti, é ainda assim Moretti) e Rescue Dawn, de Werner Herzog, que é cinema para ver em ecrã grande. 2007 foi um dos raros anos em que, tendo-se estreado um filme de Woody Allen, ele não cabe em qualquer lista de melhores (escrevi sobre ele aqui).

Falhei Inland Empire, Half Nelson, Still Life, Luzes no Crepúsculo. Oxalá sejam filmes de caber na lista.

O pior do ano, a uma grande distância de asco, foi A Ponte, um pseudo-documentário que mostra pessoas a saltarem para a morte da Golden Gate Bridge, em São Francisco. Ficará registado na memória por não ter nenhum cinema, só voyeurismo, e ainda assim ter despertado encanto em pelo menos um dos críticos da nossa praça.
Menção
honrosa, já agora, para Babel, que também era uma valente porcaria, voyeurismo sobre pobres para revolta e consolo moral do primeiro mundo.

[Para comparar: as listas de 2004, 2005 e 2006.]