O filme do ano, e quase me apetecia dizer o único filme do ano, foi Tarantino. Ele faz aquilo que mais ninguém faz. Acção e efeitos especiais lowtech, diálogos sem conteúdo e uma perseguição automóvel final que dura vinte minutos. Foi o mais enjoyable, o mais extremo, o mais divertido; o mais inteligente, chocante e surpreendente também. Tenho a impressão de que começámos a vê-lo como uma diversão de que se conhecem as regras, e depois, passo a passo, as regras vão sendo quebradas, as fronteiras superadas e a gente pergunta-se até onde é que aquilo pode ir. Na sala onde eu estive, o final foi saudado com uma gargalhada: acho que não foi só humor; foi também um riso de tensão, adrenalina libertada. Não houve nada que se chegasse, em 2007, a este filme de duplos e perseguições de automóvel.
Mas Gus van Sant é também um autor muito peculiar. Talvez não se dê suficiente atenção a isso. Digo-o independentemente de se gostar mais de uns filmes do que de outros, e eu sem dúvida gostei muito de Elephant e de Paranoid Park e calhou nem sequer ter visto, por exemplo, Last Days ou Drugstore Cowboy. Em Abril deste ano, completamente por acaso, deparei-me, numa exposição na Cinemateca francesa, com um filme de quarenta minutos, de Alan Clarke, sobre a violência na Irlanda do Norte, realizado no final da década de oitenta. O filme chama-se «Elephant» e a primeira coisa em que se repara, quando se começa a olhar para ele, é que é o «Elephant» de Gus van Sant (de 2003). Van Sant transpôs, não uma história, mas uma maneira de filmar, uma sequência de planos, para um cenário diferente, para um massacre num liceu americano no final dos anos noventa. Este é também o autor que, dez anos atrás, filmou Psico de Hitchcock, repetindo-o, cena por cena. Há um pouco disto tudo
Climas, o turco, talvez pudesse, talvez merecesse, ficar em segundo lugar. É quase cinema mudo.
Clint Eastwood teve uma excelente ideia com os dois filmes sobre a batalha de Iwo Jima. Não desprezando o aspecto visual de Cartas de Iwo Jima, eu acho que o filme a sério é As Bandeiras dos Nossos Pais, em que o realizador trabalha material que conhece e um meio em que sabe mexer-se. Todos os momentos de flashback em Cartas são pavorosos, e toda a construção das personagens japonesas, do ponto de vista das motivações e da sua lógica, é de papelão e inverosímil, o que não acontece com os soldados americanos das Bandeiras. Gostei dos dois, mas o melhor é este.
A fechar a lista um filme francês, uma boa surpresa: lento, demorado, Lady Chatterley mostra coisas quase impossíveis de filmar (a natureza, as borboletas, as flores, a chuva) e com dois grandes actores.
A minha lista de 2007 é então assim:
- Death Proof, de Quentin Tarantino
- Paranoid Park, de Gus Van Sant
- Climas, de Nuri Bilge Ceylan
- Flags of Our Fathers, de Clint Eastwood
- Lady Chatterley, de Pascale Ferran
2007 não dá para dez. Foi fraquinho.
Ainda assim, Torre Bela, o filme de Thomas Harlan sobre a ocupação de uma herdade no Ribatejo durante o PREC, caberia na lista se fosse um filme de 2007. Não é, embora tenha conhecido este ano uma espécie de estreia, com a exibição no cinema King. As razões para o incluir na lista seriam cinematográficas; a Medeia Filmes é que não fez justiça a isso, exibindo-o
Outro filme que podia estar na lista é Retour en Normandie, do realizador de Ser e Ter, em que Nicolas Philibert regressa, trinta anos depois, aos actores e aos lugares de Eu, Pierre Rivière, que degolei a minha mãe, a minha irmã e o meu irmão, feito em 1976 por René Allio, com o próprio Philibert como assistente. O filme não teve, nem terá, estreia comercial; vio-o no DocLisboa. Acho Philibert – um documentarista – um cineasta de mão-cheia, pela capacidade para filmar as pessoas e as ouvir. Se tivesse estreia comercial, seria sem dúvida um dos filmes do ano.
Menções honrosas ainda para As Cartas de Iwo Jima, pelas razões aduzidas, Il Caimano (que, não sendo do melhor Moretti, é ainda assim Moretti) e Rescue Dawn, de Werner Herzog, que é cinema para ver em ecrã grande. 2007 foi um dos raros anos em que, tendo-se estreado um filme de Woody Allen, ele não cabe em qualquer lista de melhores (escrevi sobre ele aqui).
O pior do ano, a uma grande distância de asco, foi A Ponte, um pseudo-documentário que mostra pessoas a saltarem para a morte da Golden Gate Bridge,
Menção