terça-feira, dezembro 30, 2008
To Whom It May Concern
2. No Country for Old Men, Joel e Ethan Coen.
3. Coeurs, Alain Resnais.
4. California Dreamin’, Cristian Nemescu.
5. Gomorra, Matteo Garrone.
6. O Segredo de um Cuscuz, Abdel Kechiche.
7. Happy-go-lucky, Mike Leigh.
8. Juno, Jason Reitman.
9. Destruir depois de ler, Joel e Ethan Coen.
10. Os Falsificadores, Stefan Ruzowitzky.
Depois explico, se deus quiser.
terça-feira, dezembro 23, 2008
segunda-feira, dezembro 15, 2008
quinta-feira, novembro 20, 2008
Ver slideshow
Belas fotos, as de Barack Obama no Flickr, cansado como nunca o vimos. (Cheguei lá através dos Bichos.)
segunda-feira, novembro 17, 2008
A pessoa errada
terça-feira, novembro 11, 2008
quinta-feira, novembro 06, 2008
Estado civil
quarta-feira, novembro 05, 2008
Ups, outro momento de pluralismo
O discurso de McCain ontem à noite não foi menos notável do que o de Barack Obama.
O impossível acontece
Nesta hora, guardo um pensamento para os adversários lusos de Barack Obama. Não os apoiantes de McCain (de que, aliás, só consegui recensear um), mas os bushistas, da primeira à última hora, e os clintonistas; a arrogância e o desdém com que trataram o candidato democrata e os seus apoiantes merecem ser recordados. Obama e os seus seguidores foram quase sempre tratados como pouco mais do que idiotas, patetas e crédulos. Os patamares de infantilismo argumentativo atingidos neste percurso conheceram exemplos notáveis – e que vão perdurar.
Já os clintonistas, tendo apostado também em caracterizar Obama como uma espécie de pastor evangélico para massas histéricas, insistiram especialmente em assegurar que o candidato negro não teria quaisquer hipóteses de ser eleito. «Quem conhece» – e cito – «um poucochinho os EUA não duvida por um momento que o Obama jamais será Presidente. Tão certo como dois e dois serem quatro.» Obama só ganhava primárias em sistema de caucus e em estados irrelevantes.
As afirmações categóricas destes sábios continuam ao alcance de qualquer motor de busca. Talvez por isso, uns e outros, nestas últimas semanas, se tenham afadigado a garantir-nos que só o cataclismo financeiro imprevisível (pelo menos quanto à altura em que ele iria dar-se) acabou por oferecer a Obama a vitória impossível. Por mais que outros dados indiquem o oposto.
Ao contrário do que outros também sustentam, a margem de vitória de Obama não é pequena. Não foi o «prestígio» do senador McCain, ou outra coisa qualquer, que manteve a disputa até ao fim. É uma vitória larga. Quem imagina que pudesse ser coisa de uma dimensão muito mais ampla, é que não tem a mínima ideia do que são os EUA, das divisões profundas que atravessam esse país enorme e que possibilitaram, entre outras coisas, que George W. Bush tivesse, por assim dizer, ganho duas eleições seguidas.
terça-feira, novembro 04, 2008
Um momento de pluralismo
segunda-feira, novembro 03, 2008
Uma certa ideia da América (2)
Imagem retirada daqui.
Tem-se assinalado muitas vezes que, se as eleições norte-americanas fossem decididas pelos europeus, Obama ganharia por margem esmagadora. Esta observação tem sido frequentemente feita com uma boa dose de cinismo e mesmo de sarcasmo; afinal de contas, quem vota nas eleições norte-americanas são os norte-americanos. O que se tem notado menos é que esta simpatia dos europeus por Obama, este encantamento, esta mania, revela muita vontade de gostar da América. Porque Obama, seja lá aquilo que venha a ser, é americano - como indivíduo, como personalidade, como imagem, como história de vida. Não é nem podia ser europeu. Se é amor, não é narcisista.
Ora, é muita vontade de gostar da América, depois de anos maus. Mas aqueles mesmos que andaram a distribuir acusações de antiamericanismo («primário», sempre «primário») são os que agora fustigam a credulidade da esquerda e o seu entusiasmo em relação a Obama.
Haja paciência. Eu até era capaz de lhes achar graça, se não vivesse aqui.
sábado, novembro 01, 2008
Monsieur de La Palice goes to America
quinta-feira, outubro 30, 2008
Pub.
Desta vez é sem novidade, mas faz uma capa bonita.
Quem gostar de ironia trágica, pode entreter-se a ler o editorial de há oito anos, a apoiar George W. Bush.
quarta-feira, outubro 29, 2008
segunda-feira, outubro 13, 2008
Hope
[early voters em Columbus, Ohio. Foto e legenda de Pedro Magalhães]
sábado, outubro 11, 2008
quarta-feira, outubro 01, 2008
Um daily show
Nos EUA, há uma nova Comedy Central, com um novo Daily Show.
Fareed Zakaria: It's not that she doesn't know the right answer. It's that she clearly does not understand the question. This is way beyond anything we have ever seen from a national candidate.
Alaska is an unusual state. 85% of its budget comes from oil revenues. Basically, you're just distributing oil revenues that are being provided for you by digging holes in the ground. This is good training to be president of Saudi Arabia, not the United States.
The most scary answer in the Katie Couric interview was not on foreign policy. The foreign policy stuff was funny. The scary answer was on the economy.
segunda-feira, setembro 29, 2008
Nós roemos
Há duas maneiras de assinalar, hoje, o centenário da morte do escritor brasileiro Machado de Assis. (Há mais.) Das dez da manhã às seis da tarde, na casa Fernando Pessoa (um lugar que para mim se tornou menos simpático desde que a atual diretora tomou posse), faz-se leitura integral de Memórias Póstumas de Brás Cubas. «Faz-se» significa que lê quem quiser ler e estiver presente. (Também podia ser o Dom Casmurro ou alguns contos.) Na Gulbenkian, há um colóquio sobre Machado de Assis, com intervenções dos maiores especialistas, como John Gledson ou Abel Barros Baptista.
Machado de Assis é para mim um conhecimento relativamente recente. Só o descobri mesmo com a leitura da antologia de contos organizada por Abel Barros Baptista para a coleção da Cotovia. Depois li Memórias Póstumas e reli Dom Casmurro. É isso mesmo: reli Dom Casmurro. À primeira (e olhem que não foi assim há tanto tempo), tinha-me passado completamente ao lado. Foram os contos que me permitiram descobrir o que tinha lido antes.
Há quem diga que Machado de Assis é o maior ficcionista da língua portuguesa. Isto, dito por pessoas que sabem do que falam. É para mim, mas desconheço quase tudo.
OS VERMES
"Ele fere e cura!". Quando, mais tarde, vim a saber que a lança de Aquiles também curou uma ferida que fez, tive tais ou quais veleidades de escrever uma dissertação a este propósito. Cheguei a pegar em livros velhos, livros mortos, livros enterrados, a abri-los, a compará-los, catando o texto e o sentido, para achar a origem comum do oráculo pagão e do pensamento israelita. Catei os próprios vermes dos livros, para que me dissessem o que havia nos textos roídos por eles.
— Meu senhor, respondeu-me um longo verme gordo, nós não sabemos absolutamente nada dos textos que roemos, nem escolhemos o que roemos, nem amamos ou detestamos o que roemos; nós roemos.
Não lhe arranquei mais nada. Os outros todos, como se houvessem passado palavra, repetiam a mesma cantilena. Talvez esse discreto silêncio sobre os textos roídos fosse ainda um modo de roer o roído.
segunda-feira, setembro 22, 2008
Quem gostar de ler, também pode entreter-se com isto.
sábado, setembro 13, 2008
Democrático
quinta-feira, setembro 11, 2008
A fama póstuma
Exatamente: «O cu sobre», porque o blogger não reconhece letras com acento. Outra coisa interessante é que, neste post do maradona, um comentador Tiago informa que «Infelizmente o autor do blog em causa [O Céu sobre Lisboa] faleceu há uns meses.» Notem a linguagem ponderosa: «infelizmente» e – é quase jurídico – «o blog em causa». É esta escolha de palavras que dá credibilidade ao texto.
sábado, setembro 06, 2008
Um aviso feito a tempo
sexta-feira, setembro 05, 2008
Revista de blogs
Dentro do mesmo género, mas com observações mais completas e interessantes, no dia de hoje, há quatro anos, Pedro Ornelas divertiu-se com o SATU, o «veículo» de Paço de Arcos; há três anos, estava na Madeira e tomou umas notas sobre a praça de táxis e sobre o cais; e há um ano, nesta mesma data, topou uns cavalos a galarem-se nuns painéis da Igreja de S. Tiago, em Évora.
quinta-feira, setembro 04, 2008
Que há com o pato?
The ultimate Republican ticket
Mas houve uma ocasião em que o Pato Donald de facto foi a votos. Eu devia ter uns oito anos quando organizei a primeira eleição, em família. Não havia um posto específico em jogo; era uma eleição como jogo, o que era talvez normal para uma cabeça moldada pela experiência das presidenciais de 1980 e por passar os domingos à tarde com um jogo de sociedade chamado “As eleições e os partidos”. Os dois candidatos eram o Tio Patinhas e o Pato Donald e, de acordo com a dinâmica eleitoral, acabou por resultar convencionado que o Tio Patinhas era o candidato da direita e o Pato Donald o da esquerda.
A história da derrota do Pato Donald é um pouco embaraçosa. Naquela tenra idade em que os instintos se revelam mais crus, foi precisa uma certa ajuda minha para decidir o resultado. Esquerda e direita, a família dividiu-se ao meio. Uma avó, porém, tinha votado no Pato Donald de forma que considerei irregular (uma cruzinha fora do quadrado? Já não me lembro), fechando os olhos ao facto de que um avô tinha votado Tio Patinhas de forma igualmente irregular (não preencheu o boletim e deu-me simplesmente um papelinho com o nome escrito: Tio Patinhas). Graças a este expediente, o milionário de Patópolis venceu a eleição sem posto pela estreita margem de doze a onze, ou coisa parecida.
O Pato Donald candidato da esquerda, o eleitorado dividido ao meio e o resultado decidido com uma chapelada. O meu pequeno sufrágio familiar antecipou a grande política americana em duas décadas; quem diria.
O tabuleiro de "As eleições e os partidos" pode ser visto neste forum dedicado ao museu do brinquedo, de Sintra.
segunda-feira, setembro 01, 2008
O Céu sobre
Deixem-me que tente dizer por que é que (como assinalei antes muitas vezes), O Céu sobre Lisboa era o meu blog preferido.
Uma vez eu estava na Madeira, já lá estava há uns três ou quatro dias, e lembrei-me de lhe enviar um email a pedir sugestões, porque ele tinha falado várias vezes da Madeira no blog (o Pedro passou anos da adolescência no Funchal e tinha família lá). Por coincidência – isto foi no réveillon de 2005/6 – ele também estava no Funchal. Tudo o que vi na Madeira nos dias seguintes devo-o ao Pedro, e poderia ter ficado mais uma semana na ilha, porque havia mais para ver. Vejam bem: eu até estava com pessoas de lá; mas nem toda a gente tem o olho do Pedro. Os primeiros dias foram pardacentos, os seguintes excelentes. Este ano, em São Paulo (novamente estando com pessoas de lá), fiz a mesma coisa, porque me lembrava do entusiasmo com que o Pedro tinha falado da viagem dele à cidade. Em resposta, recebi um email de duas páginas. (Muitas das coisas que o Pedro referia até eram no bairro onde eu estava instalado, e não as tinha visto.)
Há muito tempo que eu tinha o desejo de fazer algum projecto de trabalho com o Pedro: uma revista, um guia de viagens, um documentário. (É uma pena que o Pedro não tenha escrito um livro de viagens.) O Pedro tinha um olho raro, curioso, inteligente, culto, sensível. Tinha também um tom pouco comum na escrita. Como se fosse tudo um pouco subdued. Os entusiasmos apareciam de forma entusiástica, sem dúvida (e havia muitos entusiasmos no blog dele), mas os textos nunca tinham a menor fanfarronice. (Essa coisa rara, não haver fanfarronice). Parece haver uma dúvida a atravessar a escrita, mas é uma dúvida inquisitiva, curiosa. Os textos eram limpos, impecáveis, irrepreensíveis. E eu tenho descoberto muitas coisas através da blogosfera, mas as coisas de que falava o Pedro eram daquelas em que eu atentava mais. Houve os passeios pela Madeira, as sugestões de São Paulo, mas há discos, blogs, livros que ainda recentemente comprei por me lembrar de ele ter falado. Livros que vou ler por causa do Pedro, e entretanto o Pedro até já morreu.
Eu e o Pedro não nos conhecíamos bem. Descobri-o no Agosto de há quatro anos (estava eu, justamente, em São Paulo), através de um email que ele escreveu para o blog do Francisco José Viegas e que me impressionou. Devemos ter-nos encontrado meia-dúzia de vezes. Há assim estas recordações dispersas. Um sms dele, uma vez, estava eu em Bombaim, a comentar a saída do Mário Mesquita de colunista do Público. Respondi: “Não sei de nada, estou em Bombaim.” Resposta dele: “Então, e isso é giro?”
O Pedro, ao que apurei, deve ter morrido no dia 10 de Agosto, domingo, de manhã, no hospital, na sequência de complicações decorrentes de uma operação ao fígado. (Eu só soube quase três semanas depois, e através de um amigo meu que nem sequer o conhecia.) Suponho que ele teria talvez 45 anos, ou coisa parecida. Acho que nunca foi a Bombaim nem voltou ao Brasil. Não sei se foi a São Jorge e às Flores, onde eu estava na semana em que tive a notícia, mas acho que ele teria certamente gostado muito dessas ilhas. Não escreveu um livro de viagens, e juntos não vamos fazer nenhuma revista nem sequer nenhum documentário.
Muitas vezes enviei posts do Pedro, por email, a amigos. Uma boa maneira de ler o blog é – como em todos – começar pelo princípio.
Date: Jan 2, 2006 1:45 AM
Subject: Re:
To: Ivan Nunes
Sugestões instantâneas. Comer peixe no Doca do Cavacas, a uns 5 km do centro, direcção oeste, à beira mar. Relação qualidade-preço imbatível, comida, localização e serviço impecáveis, convém marcar mesa. Tomar um café ou qualquer outra coisa na esplanada do Clube Naval (embora não tenha a certeza se está aberto nesta altura) ou na do Palheiro Golf. Beber um copo à noite no bar do Savoy Hotel, que vai ser demolido em breve e tem um ambiente que faz lembrar os filmes do 007 dos anos 60. Ir de manhã cedo ao pico do Areeiro (a essas horas há mais probabilidades de conseguir ver alguma coisa nesta época do ano). Ir almoçar ao Seixal (ao lado do cais, não me lembro o nome mas é o único neste sítio) ou à Fajã da Areia, perto de S. Vicente (também não me lembro o nome mas tem uma esplanada, fica na estrada do lado oposto ao mar, e servem um polvo muito bom). Capítulo bares no Funchal, o mais bonito é o Look, que fica no molhe da Pontinha e abre à tarde e à noite. Se quiseres visitar uma das livrarias mais disfuncionais do mundo, vai à Esperança na rua dos Ferreiros. Vale a pena, embora comprar livros seja difícil. O museu de arte contemporânea no forte de São Tiago vale pelo edifício, um antigo forte filipino à beira mar, e o mesmo vale para o novíssimo Centro Cultural Casa das Mudas, na Calheta.
domingo, julho 20, 2008
«Gonçalo Cadilhe, gostava que me explicassem este enigma. Gonçalo Cadilhe escreve no Expresso ou lá o que é. Como é possivel? Um dia destes, daqui a pouco quase dez anos depois, volto a comprar o Expresso, só para ver quantos "como é possivel?" se consegue encontrar por lá. No Público há alguns "como é possivel?"; no DN, curiosamente, parece-me haver menos "como é possivel?" que no Público. Nos jornais desportivos o raciocinio é o inverso. Sente-se o "como é possivel?" quando se encontra uma coisa boa, aparentemente bem escrita (que eu não percebo nada dessas merdas), pensada, com principio, meio, fim e lógica, por vezes mesmo imaginação e inteligência. Por incrivel que pareça, em todas as edições dos jornais desportivos temos sempre a oportunidade de emitir um "como é possivel?" É preciso compreender que eu agora poderia continuar por aqui fora, com um comboio de "como é possivel?" e só terminar amanhã.»
quarta-feira, julho 02, 2008
Um Sócrates
Federação Distrital de Castelo Branco do PS, em meados dos anos 80
Sobre Sócrates – O menino de ouro do PS, de
[Publicado na Time Out de hoje.]
A subdirectora da Antena 1, Eduarda Maio, a quem o programa de televisão "O Juiz Decide" deu nos anos 90 uma relativa notoriedade, acaba de publicar uma biografia do actual primeiro-ministro. E não há duas maneiras de dizer isto: trata-se de um péssimo livro. Com esta biografia não se aprende nada de relevante sobre a carreira e a ascensão política de José Sócrates que não estivesse já nos jornais. A narrativa dos acontecimentos decisivos (a candidatura à liderança do PS, a maioria absoluta) não acrescenta dados novos. Se Sócrates, num ou noutro episódio, é alvo de ataques, Eduarda Maio não os investiga; aproveita apenas para realçar as qualidades que levaram o nosso Herói a resistir-lhes. "À firmeza do seu trabalho parlamentar, José Sócrates juntava agora o seu espírito. Gostava de quebrar a solenidade pardacenta das sessões, de remoçar o debate político salpicando-o de humor e sacudindo-lhe o excesso de sisudez e de monotonia" (p.211). O tom é "hagiográfico", disse Pacheco Pereira. Pior que isso: é parolo.
Há páginas e páginas de resumos de peças de propaganda, como artigos de jornal ou programas partidários; e passagens chatas e compridas como quem recita em versão alargada um curriculum vitae. A abordagem da autora consiste numa espécie de contemplação beata. Maio entrevistou alguns próximos de Sócrates, que lhe contaram como o nosso primeiro-ministro é um "bom amigo", um "menino de ouro", tem extraordinárias capacidades de trabalho e é um devoto dos livros. "«Quando ele teve que aumentar o IVA, nem dormiu na noite anterior», afirma Renato Sampaio" (p.311). Nem por uma vez a jornalista se lembra de investigar o que está realmente em jogo nessas amizades e inimizades políticas, o que as move, o que torna o nosso homem tão "persuasivo" – em suma, tudo aquilo que é propriamente a política. E nunca, sobre uma matéria controversa (a co-incineração, o caso da licenciatura, conflitos pessoais variados), dá voz aos críticos.
Seria possível escrever uma biografia interessante sobre o actual primeiro-ministro? É tentador pensar que os nossos actuais líderes, seguindo uma tendência que é sociológica e que não é portuguesa, não são propriamente personagens carismáticas, mas indivíduos formados nas máquinas partidárias, que (sejam quais forem outras qualidades que eventualmente tenham) não têm vidas aventurosas nem biografias emocionantes.
Tudo isso é certo, mas há ainda qualquer coisa de relevante nesse cinzentismo. Talvez José Sócrates, Filipe Menezes, Passos Coelho, não se prestem a histórias fascinantes; mas prestam-se, apesar de tudo, a uma história relevante da nossa democracia. Através da biografia de um deles poderíamos conhecer alguma coisa sobre os mecanismos que fazem de um indivíduo um caso de sucesso político nos dias de hoje: aquilo que realmente condiciona promoções e despromoções, alianças e zangas, numa época em que os confrontos ideológicos estão esbatidos. Mesmo sem fazer um julgamento sumário do regime, importava conhecer um pouco mais sobre o funcionamento interno dessas instituições cruciais da democracia que são os partidos políticos. Há uma biografia política que mereceria a pena ser escrita, sobre um homem banal num regime banal.
E – uma última nota – eu não detesto Sócrates pessoalmente, como figura. Suspeito até – suspeito apenas, porque a biografia de Maio não dá para mais – de que mesmo no plano pessoal haveria algo de interessante para contar na história de um José Sócrates. Aos sete anos de idade, viveu o divórcio litigioso dos pais, que se arrastou em tribunal por seis anos; e até aos 16 ficou afastado da mãe e dos seus dois irmãos. Folheando o livro, é difícil não reparar nas fotos de infância desta criança que nunca sorri; e que tem outras tragédias na sua vida familiar. Não estou a incitar ao voyeurismo, mas não seria relevante investigar a relação entre a criança das fotos e o político que, paradoxalmente, se tornou popular (pelo menos numa dada fase) por uma certa reserva e mesmo uma certa antipatia? Outros superam tristezas por uma extroversão exuberante e maníaca; não assim Sócrates. Mas, numa biografia de 350 páginas, de prosa redundante e rendilhada (e frequentemente ridícula), Maio não dedica uma linha a investigar como é que a criança que depois foi primeiro-ministro atravessou tudo isto.
sexta-feira, junho 27, 2008
sexta-feira, junho 20, 2008
Diva à matiné
A jornalista Lara Logan é correspondente do canal de televisão CBS no Iraque e resolveu denunciar a cobertura que os media americanos fazem da guerra.
quarta-feira, junho 18, 2008
19 de Julho
Tonight, in his suit and hat, he resembles a senior 1920s mobster, only with a guitar instead of a tommy gun.
When he and his similarly attired band open with the Italian-flavoured Dance Me to the End of Love, we could almost be at a mafia wedding. The hat is gracefully doffed to acknowledge applause.
Cohen's baritone has become deeper and more formidable over the years; the line in Tower of Song - "I was born with the gift of a golden voice" - prompts a wave of knowing laughter and applause. The golden voice now resembles a boulder rolling down a tunnel: something huge and elemental.
Older songs such as Suzanne lure him back to the upper limits of his range, but most of the material dates from after he discovered synthesizers and politics in the 80s.
The acrid, dystopian humour of The Future and First We Take Manhattan is as resonant now as it was 20 years ago, a reminder that the only people who dub Cohen depressing are those that don't get the jokes. He delivers plenty tonight, like a wry nightclub host.
"Please sit down," he says after one standing ovation. "It makes me nervous. I think you're going to leave."
(...) Seizing his magnificent Hallelujah back from Jeff Buckley, Rufus Wainwright and dozens more, he is possessed by the words, his eyes squeezed tight, his body trembling.
After three hours, the final encore is the aptly titled I Tried to Leave You. "Goodnight my darling/ I hope you're satisfied," Cohen rumbles with a wink. "Here's a man still working for your smile."
domingo, junho 15, 2008
Cenas de um casamento
15.06.2008, Paulo Moura
O Cabaret Maxime organizou a sua versão especial das noivas de Santo António. Na noite de sexta-feira, 13, o Cónego Lello realizou quatro casamentos. Eram todos a fingir?
Mas em Junho de 1992, transformado já o Maxime num prestigiado bar de alterne, o Parlamento aprovou a nova Lei das Propinas. De 1200 escudos, a taxa passaria a 200 contos, na euforia do cavaquismo tardio. Os estudantes revoltaram-se. Escreveram no traseiro "Não pagamos!" e baixaram as calças em frente à Assembleia da República. Baixaram também as expectativas que o país tinha colocado neles. Afinal, tinham 20 anos, eram os baby-boomers de Abril. E ninguém lhes tinha explicado o peso simbólico que carregavam nos ombros. Furioso, o director de um influente jornal chamou-lhes Geração Rasca. Mas fizeram manifestações e uma greve, um ministro caiu e a lei foi, não derrotada, mas suavizada.
O grupo que encabeçou a contestação estudava no Instituto Superior Técnico. Eram uns 20. Partilhavam gostos e ideias. Andavam sempre juntos. Desenvolveram a sua própria ideia de irreverência, muito diferente da dos pais. Gostavam dos Ena Pá 2000 e dos Irmãos Catita, de quem não perdiam nenhum concerto, fosse no Ritz Club, fosse no Paradise Garage. Quando Manuel João Vieira concorreu à Presidência da República sob a palavra de ordem "Só desisto se for eleito", apoiaram-no.
O grupo manteve-se unido, pelo menos nos jantares semanais, das sextas-feiras, mesmo depois de quase todos eles terem concluído os doutoramentos e se terem tornado docentes universitários. Luis Mota, o presidente da Associação de Estudantes do Técnico, tornou-se namorado de Rita Canário, também dirigente associativa. Ele tornar-se-ia professor de informática no ISCTE, ela de Física na FCT, da Universidade Nova. Os Irmãos Catita continuaram a ser a banda sonora das suas vidas.
Sexta-feira, 13 de Junho de 2008. O Santo António entra em palco e começa a dircursar, de sandálias e braços abertos. "Não vos inquieteis. Deveis, após os votos, fazer muitos filhos e fornicar muito nesta Terra", clama ele, enquanto o Padre Lelo se está a vertir para a cerimónia. "Fornicai, para que muitos filhos possam substituir esses chineses das lojas dos 300. Combatei a imigração candestina."
O Cabaret Maxime organizou a sua versão especial dos casamentos de Santo António. Depois da decadência e do encerramento, o Maxime reabriu em Janeiro de 2006, sob a gestão de Manuel João Vieira e o seu padrasto Bo Backstrom. Tornou-se o santuário permanente dos Irmãos Catita e dos Ena Pá 2000 e de todos os fãs que os acompanharam nas últimas duas décadas. Numa espécie de milagre de Lázaro pós-moderno, consegue ressuscitar artistas como José Cid ou Victor Espadinha, em espectáculos de lotação esgotada. Esquecemo-nos de que eles estavam esquecidos, graças ao grande ilusionista Lello Vilarinho, também conhecido como Lelo Marmelo, Lelo Universal, ou Cónego Lello.
É sob este avatar que Manuel João surge agora em palco, quer dizer, no altar, para celebrar os matrimónios. "Hoje, sexta-feira, 13, vamos casar aqui homens e mulheres, mulheres e mulheres, e mesmo outros que estão fora desse enquadramento económico-social", anuncia o sacerdote da Igreja de Todos os Santos e Mais Alguns.
"Com a bênção do verdadeiro Santo António, ides fazer um investimento no mercado de futuros. Porque é Deus que vos enlaça, como uma trepadeira amazónica."
Aproxima-se o primeiro casal, Isabel e Tiago. Palmas. "Em nome da Igreja de Todos os Santos e Mais Alguns, mais de 3000 santos que vivem em concubinato no Paraíso, em apartamentos duplex em condomínios fechados com vista para o mar..." recita o cónego. "Tiago, desejas profundamente e a sério unir o teu destino, para toda a eternidade, ou pelo menos durante algum tempo, até que a morte vos separe, ou alguma doença horrível que vos faça apodrecer como cadáveres num cemitério, casar com Isabel..."
Que irá ele responder? A expectativa é enorme. Isabel, 28 anos, assistente de recursos humanos, queria casar mesmo. Tiago, 24 anos, mecânico, não. Mas ela viu no telejornal o anúncio do Maxime e pensou que era a solução. Convenceu o namorado a participar na brincadeira. Só quando viu a família toda, a mãe da noiva, os padrinhos, trajados a rigor e reunidos no Maxime, é que ele percebeu que aquilo não era bem uma brincadeira. Pelo menos para a noiva, e respectiva família, não era. "Isto é a ver se ele se entusiasma", explicou ela. Mas o que conseguiu foi que ele ficasse zangado. Por isso ninguém sabe o que vai ele agora, na hora da verdade, responder.
Mas o noivo levanta os olhos para o cónego e diz: "Sim. Proclamo a minha fidelidade, em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo".
Isabel jura o mesmo e Lello abençoa-os: "Pronuncio-vos marido e mulher, até que qualquer coisa vos separe. Podem beijar-se e fazer outras coisas porcas".
Catarina e Fernando, 35 e 37 anos, já vivem juntos há 6 e têm dois filhos. Mas não se sabe quem tem fugido mais do casamento, ele ou ela. De qualquer forma, é ele que inventa as desculpas esfarrapadas, como esta: "Da última vez que íamos casar, ela ficou grávida. E pronto, lá ficámos sem dinheiro outra vez". Ou esta: "Já tentei, mas não consegui. Meti os papéis na Conservatória, mas depois mudámos de residência... É difícil. Tentei várias vezes, mas não consegui".
Agora, parece que é de vez: vieram os padrinhos e 32 convidados, incluindo as famílias e o patrão da agência imobiliária em que ambos trabalham. E prometem que, para a semana, vão ao Registo Civil legalizar a união. Pelo menos foi o que disseram à mãe da noiva, Dona Rosalina, sentada, feliz, na primeira fila do Maxime.
"Desejas amar e ser fiel à tua mulher para o resto da tua vida, enquanto o mundo for mundo, até que o mundo estremeça e os vulcões alastrem sobre a Terra?", pergunta o Cónego Lello, e Fernando responde, com uma cerveja na mão: "É tudo o que eu mais quero na vida".
"E tu, Catarina, aceitas este homem, para a procriação, até que a morte, ou outro acontecimento mesquinho ou bizarro vos separe?"
"Aceito, mas procriar não quero mais, porque já temos uma menina..."
"Milagre! Milagre!", gritam em uníssono cónego, Santo António e Frei Tuck. "Ainda agora casaram e já nasceu uma menina! É milagre! Aleluia!" E pedem mais 200 mil euros para a Fundação Catita, num cheque que é assinado ali mesmo. "Praise de Lord!"
A noite está em grande, o Cónego Lello rejubila. Rita e Luís avançam para o altar. "Aceitas esta mulher e toda a sua fecundidade em Jesus Cristo? Aceitas esta joint venture para o futuro?"
"Aceito e desejo-o", responde o doutor Luís, 35 anos, ex-dirigente associativo.
"E tu, desejas unir o teu destino ao deste homem devasso?", pergunta Lello à doutora Rita, que "nunca seria capaz de um casamento tradicional".
"Sim!"
"Se alguém conhece alguma objecção diga-o agora, ou cale-se para sempre, e seja comido no Inferno por ratos com cornos. Proclamo-vos doravante marido e mulher. Ide e multiplicai-vos."
Uma matulona semi-nua vem fazer lap-dancing. Realiza-se um casamento de última hora entre um homem e duas mulheres. Os Irmãos Catita começam o concerto. "Chupas e engoles, tocas gaita de foles, nas minhas partes moles", canta Lello Marmelo. Todos dançam. Até a Dona Rosalina, ao som de Cocaína na Vagina. Mas só até às 4 da manhã. E, desde que os vizinhos protestaram por causa do barulho, sem nunca ultrapassar a barreira dos 89 decibéis.
sexta-feira, junho 13, 2008
Shyamalanesco
Há qualquer marca autoral muito forte, plano-por-plano, nas imagens de O Acontecimento; infelizmente, não sei explicar o que é. Claro que evoca Spielberg, não só pelo lugar das crianças, a narrativa infantil e reacionária (há uma verdade primordial a que se regressa e que as crianças intuem), e o facto de ser tudo muito e excessivamente explicado. Olho para aquilo e evoca Spielberg, mas é um Spielberg dos inícios, intenso e mais bem feito. Há qualquer coisa de muito americano nas cores de O Acontecimento, nessas imagens que sem saber porquê imediatamente atribuí a Shyamalan (haverá também qualquer coisa de indiano? É que falo em cores). Há rigor, há detalhe, na maneira de filmar cada plano: gostei da imagem de uma velha subtilmente filmada através de um mosquiteiro, a quadrícula pequenina dando uma vaga sugestão de pintura impressionista. Encontrei ecos de Signs, encontrei todas as marcas de cinema que não é do meu género, mas deixei-me interessar pelo filme. Shyamalan é um autor e há qualquer coisa de forte e Shyamalanesco.
quarta-feira, junho 11, 2008
Le Sporting, club d’esthètes lisboètes
Le gamin du Sporting est gâté : en ces temps de bloc équipe et d’impact physique, ici ce qui compte, c’est le talent brut. Au Sporting, c’est historique, on fabrique du cousu-pied
sexta-feira, junho 06, 2008
Nacional-cançonetismo (nova esquerda remix)
[Manuel Alegre, numa genial entrevista feita a seguir ao comício de terça e publicada ontem no Público.]
Otimismo histórico
quarta-feira, junho 04, 2008
Um weberianismo da treta
Neste contexto, é pelo menos irónico contemplar a forma como Hillary Clinton tem politicamente conduzido o estertor da sua campanha. Como reagiu ontem à noite em Nova Iorque, quando Barack Obama conseguiu o número necessário de delegados à Convenção democrata? "This has been a long campaign. And I will be making no decisions tonight. But this has always been your campaign. So, to the 18 million people who voted for me, and to our many other supporters out there of all ages: I want to hear from you. I hope you’ll go to my website at hillaryclinton.com and share your thoughts with me and help in any way that you can, and in the coming days I'll be consulting with supporters and party leaders to determine how to move forward..."
É ver para crer, e julgar da racionalidade, fiabilidade e sentido de responsabilidade da candidata dos sábios.
terça-feira, junho 03, 2008
A língua é nossa
Em termos de petições de defesa da língua, há uma de que sinto especial falta: para que se incluam autores brasileiros (e talvez africanos) no currículo das escolas secundárias portuguesas, da mesma forma que no Brasil se ensinam Eça, Pessoa, Camilo. Isto sempre me envergonha perante amigos brasileiros: se a língua é nossa, por que raio a conhecemos pior do que eles?
sexta-feira, maio 30, 2008
segunda-feira, maio 12, 2008
Parvoíces sem p
sábado, maio 10, 2008
Working Class Menace
«I tell you, Frank: there's suddenly something rather menacing about the working class.» Paródia da série britânica Big Train a partir dos Pássaros de Hitchcock.
sexta-feira, maio 09, 2008
Dou-me ao trabalho de escrever estas coisas por imaginar um leitor ideal que seja instigado a ir ver o filme. Mas suspeito que o método do IMDB seja muito mais eficaz.
Plot keywords for California Dreamin' (Nesfarsit) (2007)
* Nudity
* American Dream
* Father Daughter Relationship
* Flashback Sequence
* Anti Americanism
* Title Based On Song
* Bureaucratism
* Train
* War
* Based On True Story
* Title Spoken By Character
quinta-feira, maio 08, 2008
Encontro de culturas
Cristian Nemescu tinha 27 anos, a 24 de Agosto de 2006, quando, estava ele a terminar o seu primeiro filme, se meteu num táxi com o técnico de som: tiveram um acidente e morreram os dois. Califórnia Dreamin’, que ainda está em exibição no King às sextas, sábados e segundas-feiras à meia-noite*, é por isso uma primeira e última obra, e quem a vir perceberá bem a tragédia. Tem marcas de primeiro filme e de filme inacabado; umas e outras não impedem que valha muito a pena vê-lo.
Durante o bombardeamento da NATO à Sérvia na primavera de 1999, um comboio leva armamento militar americano, atravessando a Roménia. Um chefe de estação zeloso de procedimentos burocráticos (e pouco simpatizante dos americanos) manda parar a composição numa pequena vila; obriga a cinco ou seis dias de encontro de culturas, choque de percepções recíprocas, entre os habitantes romenos e as tropas americanas.
O tom é irónico, um pouco melancólico, auto-irónico, mas com passagens líricas (a actriz, Maria Dinulescu, não se presta a menos). Para o ouvido português, neste, como noutros filmes romenos, não passarão desapercebidas as enormes afinidades da língua. Para o olho português, talvez não passem, também, as afinidades de paisagem. Há momentos em que dá vontade de geminar os dois países. Pelo meio da melancolia, há um tom entusiasmante nesta primeira (e última) obra, e os Mamas & Papas cantando Califórnia Dreamin’, sobre o genérico final, devem ter contribuído para a espécie de alegria com que eu saí do filme.
* e no Nimas às sete, todos os dias.
segunda-feira, maio 05, 2008
quarta-feira, abril 30, 2008
quarta-feira, abril 02, 2008
Delinqüente
Nunca pensei envolver-me numa troca de argumentos sobre o acordo ortográfico. Há pessoas muito mais qualificadas do que eu para escrever sobre isso. Mas, uma vez interpelado pelo Frazão, não posso deixar de dizer que acho os argumentos dele surpreendentemente fraquinhos. Que sem «c» em ação e sem «p» em perceção deixamos de saber abrir a vogal anterior? E «inflacionário», como o pronunciará o Frazão? Que, perdendo a referência à origem etimológica, ficamos com situações incongruentes, como «espectador» e «espetáculo»? Há quanto tempo escrevemos «quatro» e «catorze»? Parecendo que não, já se fizeram reformas ortográficas antes, incluindo coisas tão estranhas como a supressão dos acentos nos advérbios de modo – e, ainda assim, sabiamente, toda a gente consegue ler isto. Claro que esta reforma não é perfeita: se fosse a meu gosto, recolocava o trema em «agüentar» e «delinqüente» (que, no entanto, ninguém lê da mesma forma que «quente»). Por fim, o Frazão invoca «as árvores». Suponho que se refira a dicionários e gramáticas que precisam de ser revistos (o resto vai sendo adaptado, e há prazos para isso). Eu também me preocupo com as árvores. Por isso é que praticamente deixei de comprar o Público.
Oblivion's swallowing sea
THE business of memory is a solid and solemn thing. Plaques are unveiled on the wall; stone memorials are built in the square; the domed mausoleum rises brick by brick over the city. But the business of memory is also as elusive as water or mist. The yellowing photographs slide to the back of the drawer; the voices fade; and the last rememberers of the dead die in their turn, leaving only what Thomas Hardy called “oblivion's swallowing sea”.
[Continua.]
quarta-feira, março 26, 2008
A selva
Não conheço em pormenor as disposições do acordo ortográfico, de modo que o meu texto, mais do que seguir uma norma, faz uma apropriação um tanto selvagem daquilo que me interessa. A minha brasilofilia é conhecida, e há tempo que eu deixei de usar «p» em ótimo, e retiro com gosto o «c»
Ah: e eu não duvido por um segundo da superioridade do português do Brasil.
terça-feira, março 25, 2008
Honestos falsificadores
Por razões que superam o meu entendimento, a crítica portuguesa (dos jornais que leio, de que de fato são poucos) reagiu com frieza a Os Falsificadores, a fita austríaca que este ano ganhou o Óscar de melhor filme estrangeiro. Trata-se de um filme muito acima da média, a história de um grupo de judeus no campo de concentração que são identificados pelos seus carcereiros como especialmente hábeis na contrafação: são capazes de imitar perfeitamente as notas de libra inglesa, e podem constituir um auxílio muito útil ao esforço de guerra. Em contrapartida, gozam de um tratamento de relativo privilégio, comparado com os outros presos, e têm a sobrevivência mais ou menos garantida. O alcance deste compromisso não é pequeno: se os nazis fossem capazes de falsificar o dólar, isso constituiria para eles, em 1945, uma fonte vital de oxigénio. O filme, que é servido por um ótimo ator (Karl Markovics) no papel do protagonista, coloca-nos pois no centro de um dilema moral: como espectadores, identificamo-nos naturalmente com ele, e por isso desejamos que sobreviva; mas um outro personagem lembra-nos constantemente a implicação disto, em termos de colaboração numa empreitada radicalmente imoral, que inclui o extermínio dos outros judeus. Estamos portanto perante um filme sobre o nazismo e os campos que, longe de nos colocar na posição relativamente confortável de contemplar o mal a partir de fora (com desprezo, com pena, com comiseração), nos coloca numa posição de desconforto moral, de julgamento difícil, de conflito entre instintos emocionais (a empatia com o protagonista) e escolhas racionais (do domínio da abstração).
Que seja ainda possível fazer um filme sobre o nazismo que nos surpreenda, que conte uma história que quase não conhecíamos e nos obrigue a enfrentar o assunto sob um prisma que quase nunca fomos chamados a contemplar, já é bastante bom. Que isso seja servido por uma realização esteticamente «limpa», sem grandes artifícios ou truques sentimentais, e ainda bons atores, é razão mais que suficiente para chamar a atenção. Em Lisboa, Os Falsificadores já só está no Corte Inglês.
terça-feira, março 18, 2008
sexta-feira, março 14, 2008
The dismal science
O paper de Paul Krugman, de 1978, sobre a teoria do comércio intergalático é o género de texto que faz cócegas dentro da cabeça. «It should be noted that, while the subject of this paper is silly, the analysis actually does make sense. This paper, then, is a serious analysis of a ridiculous subject, which is of course the opposite of what is usual in economics.» É muito difícil lê-lo sem ter reação. [Obrigado à Mariana.]
terça-feira, março 11, 2008
quarta-feira, março 05, 2008
A política do ui, que medo!
Era uma vez a Hillary Clinton, o Barack Obama e um português. A Hillary acusava o Obama de não saber responder em momentos de crise, de não ter experiência para reagir se o telefone tocasse às três da manhã, enquanto as crianças americanas dormem. O Obama contestava que a Hillary também não tinha muita experiência, e a experiência do marido dela não era a experiência dela. Foram, então, perguntar ao português. Ele respondeu assim:
"Eu lembro-me de uma vez um governador do Banco de Portugal me ter telefonado às duas horas da manhã, para casa, estava eu a dormir perfeitamente, tranquilamente, a dizer: "Mário, é uma desgraça, é uma desgraça, amanhã isto vai quebrar, porque nós passámos à linha vermelha e agora já não temos dinheiro para pagar. Se há uma corrida aos bancos é a bancarrota." E eu respondi-lhe: "Olhe, ó meu caro amigo, o senhor governador faça favor, para a próxima vez, não me acorde às duas da manhã, porque se é a bancarrota eu tenho de estar lúcido amanhã de manhã e, portanto, preciso de dormir agora. Deixe-me lá dormir." Bem, não houve bancarrota. Mas estivemos muito próximo, realmente."
segunda-feira, fevereiro 25, 2008
domingo, fevereiro 17, 2008
Ensaios céticos
[Texto publicado anteontem no suplemento Ípsilon do Público.]
Sobre Eric Hobsbawm, Globalização, democracia e terrorismo, traduzido por Miguel Romeira para a ed. Presença.
Eric J. Hobsbawm é indiscutivelmente um dos maiores historiadores vivos e deve muito desse estatuto a uma tríade de obras de referência sobre o século XIX – Era das Revoluções (1789-1848), Era do Capital (1848-1875) e Era do Império (1875-1914). Já parcialmente retirado da vida académica, escreveu depois um volume sobre o século XX, que obteve também um reconhecimento enorme. Chamou-se Era dos Extremos (1914-1991), mas, apesar do título enganador, não era de forma nenhuma comparável aos livros anteriores: tratava-se agora de um comentário à história do século XX feito por quem o viveu (Hobsbawm nasceu em
Na própria página que abre Era dos Extremos está sublinhado que ninguém pode contar a história do seu tempo como a de séculos passados, e que Hobsbawm não é, nunca foi, um historiador do século XX, mas um especialista no século XIX. Por mais que na bizarra tradução portuguesa a Era dos Extremos tenha tido como subtítulo «breve história do século XX» (trata-se do «breve século XX», e são 600 páginas), o livro não é pois nenhuma síntese, mas uma interpretação do tempo da própria vida. E, quando mais tarde Hobsbawm publicou a sua autobiografia (Tempos Interessantes), fez questão de notar que se tratava do «reverso» de Era dos Extremos. O livro sobre o século XX podia também ser lido como memória, e a autobiografia como uma introdução ao século: foi o próprio Hobsbawm quem o sugeriu.
Se começo por falar de outros livros, e não da colectânea de ensaios que agora tenho em mãos, é que creio que este volume deve ser interpretado no quadro da autobiografia alargada que Hobsbawm tem vindo a escrever nos seus anos de senectude. Os temas que estruturam esta compilação são actuais: «Globalização, democracia e terrorismo» remete para os três grandes chavões do discurso político contemporâneo. Mas o olhar sobre eles é marcado pela experiência e pela nostalgia do século XX. Há um fio que vem de Era dos Extremos e se prolonga, o sentimento de perda de um mundo organizado pela Guerra Fria (um sistema internacional «estável», «ordeiro», «previsível»), uma nostalgia dos anos gloriosos de 1945-1975, em que, enfrentado pela alternativa comunista do Leste, o capitalismo se socializou.
Um dos pilares desta transformação é o declínio do Estado, hoje muitas vezes incapaz de controlar o que se passa no seu interior. A enorme disseminação de armamento ligeiro, que se iniciou com a Guerra Fria e prosseguiu desordenadamente depois do seu fim, é várias vezes mencionada como pondo em causa a ordem estadual. Outro pilar consiste no declínio da disponibilidade dos cidadãos para obedecer – quer no plano mais quotidiano da disposição para cumprir a lei, quer no sentido mais ambicioso, de dar a vida em defesa da pátria. A generalidade dos Estados deixou, segundo o autor, de poder contar com os seus cidadãos para este fim. O recrudescimento de massacres, limpezas étnicas e deslocações forçadas de populações numa escala nunca vista desde o final dos anos 1940 é outro tema recorrente, e que ilustra os inconvenientes trazidos pelo fim da Guerra Fria.
A estratégia do autor é a de encarar os fenómenos contemporâneos com olhos céticos informados pela história. Céticos num duplo sentido: porque a visão de Hobsbawm sobre a evolução do mundo é pessimista, e porque se trata de despir estes chavões da sua carga idealizada e fantasista. Há um capítulo (o terceiro) que discute as diferenças entre o imperialismo como classicamente concebido, no seu apogeu no século XIX, e a actual hegemonia norte-americana – é a parte mais interessante do livro, em que emerge o historiador do século XIX. Outros aspectos, porém, são apenas comentários algo banais à situação do mundo: não precisamos de um historiador para nos dizer que o sonho da exportação militar da democracia é perigoso, ou que a ameaça que o terrorismo islâmico coloca às sociedades ocidentais é relativamente pequena, comparada com os riscos do alarmismo. Concorde-se ou não com estas ideias, elas estão presentes no debate político, e Hobsbawm não acrescenta grande coisa ao que a esquerda geralmente diz sobre o assunto.
Além das saudades do século XX, há uma curiosa nota de conservadorismo moral. Hobsbawm sustenta que assistimos hoje a uma «reversão» do «processo de civilização» que Norbert Elias, num famoso livro de 1939, identificou como vindo desde a Idade Média: uma vasta transformação gradual dos padrões sociais relativos à sexualidade, à alimentação, à violência, à higiene íntima. (Até a forma abstracta como nos referimos a estas coisas demonstra a força da «civilização».) Tratou-se de impor «maneiras», etiqueta, regras de vergonha e de repugnância. Ora, para Hobsbawm, é tudo isto que está em causa com a actual «escalada da violência pública», que concebe em termos muito alargados, associando numa mesma análise fenómenos de violência social e de violência política, incluindo terrorismo, reabilitação da tortura, delinquência juvenil, quebra de regras tradicionais de respeito no interior da família e disseminação da linguagem obscena a todas as classes sociais, e mesmo às mulheres.
Nalguns aspectos deste diagnóstico de «reversão» do processo civilizacional, há um eco do «tudo o que é sagrado é profanado», que Karl Marx celebremente escreveu no Manifesto Comunista, referindo-se à forma como o capitalismo desintegra as velhas convenções sociais. Hobsbawm também faz uma articulação entre a evolução actual da globalização e o declínio do respeito; mas o que em Marx tinha uma tonalidade apesar de tudo positiva – o capitalismo era revolucionário, uma etapa na transição do obscurantismo para o progresso –, aqui não tem mais. Tendo-se perdido o destino último (o comunismo), estes fenómenos são vistos de maneira inteiramente negativa.
No conjunto, estes são ensaios políticos, mais opinativos do que históricos. São testemunho de uma cabeça que aos 90 anos mantém uma atenção assombrosa – e sem nenhum sectarismo ideológico – à bibliografia que vai saindo. A tradução é relativamente fluente, mas acontece tropeçar-se numa palavra absurda ou numa passagem ininteligível. Há erros graves, como chamar à doutrina militar americana «choque e terror», quando é evidente que na retórica antiterrorista «terror» seria sempre palavra banida (é «choque e pavor»). Há também erros divertidos: na p.36, Hobsbawm angustia-se por duas vezes com o destino da «corrida humana» e o perigo da sua extinção. Trata-se, como é evidente, de «human race», essa mesma espécie a que pertenço eu, você leitor e o tradutor do livro, mesmo que momentaneamente ele pareça ter sido tomado pelo espírito de um processador de texto.
domingo, fevereiro 10, 2008
O azulejo explica
O primeiro filme a sério de 2008 é o romeno 4 meses, três semanas e dois dias. Já só está no King (e no Corte Inglês na sessão das sete). Procurem vê-lo.
O filme é sobre o aborto ou sobre Ceasescu? O azulejo explica.
quinta-feira, janeiro 31, 2008
Actualidade política
Um ou outro jornalista tem a amabilidade de me telefonar a pedir que eu fale sobre o novo ministro da Cultura no plano pessoal – peculiaridades, idiossincracias, restaurantes onde gosta de almoçar, livros que lê. Mas há neste exercício uma dimensão sempre mítica, os livros e os filmes e as comidas que hão-de definir aquilo que a pessoa é. Ora, conheço demasiado bem a pessoa, realmente, para poder ter um discurso adequado ao exercício.