«O leitor começa a ver um filme, como Carta de uma Desconhecida, e sente o poder fáustico (melhor seria dizer aqui mefistofélico) do cinema: o modo como uma mão experiente e requintadamente enluvada, neste caso a de Max Ophüls, vai instilando um narcótico subtil no seu cérebro, que o infiltra e invade pouco a pouco, até que, sem saber como, vai encontrar-se submerso na Viena de 1900, numa época que não é a que lhe cabe viver, e com uma protagonista (Joan Fontaine) que não é você, claro está. No entanto, essas duas horas de cinema passarão a fazer parte da sua experiência de maneira indelével; e essa experiência, assim enriquecida, vai senti-la depois no seu mundo quotidiano, perante os assuntos práticos com que se depara (…).» [Juan Antonio Rivera, O que Sócrates diria a Woody Allen - cinema e filosofia, Coimbra: Tenacitas, 2006, p.317.]
Na Cinemateca Francesa está uma exposição que parte da seguinte premissa: pede-se a dez fotógrafos que mostrem como a memória visual do cinema se imprimiu, consciente ou inconscientemente, nas suas cabeças e se traduziu na forma como depois eles fotografaram. Os resultados são variados. O que me impressionou mais foi um autor (não retenho o nome), que comparou fotos recentes tiradas em Xangai com cinema dessa cidade nos anos 1930, que tinha visto há duas décadas. A exposição emparelhava lado a lado as fotos e excertos dos filmes, os personagens pareciam sair de um para entrar nas outras. Mas o que me impressionou mais ainda foi Elephant, que eu não sabia ser um filme de Alan Clarke, de 1989, sobre a Irlanda do Norte, antes de ser um filme de Gus Van Sant, com a mesma ideia e os mesmos movimentos de câmara, sobre o massacre de Columbine nos Estados Unidos.