quinta-feira, novembro 02, 2006

Existe?

Vaya País! é um livro recentemente editado, em que dezoito correspondentes da imprensa estrangeira radicada em Espanha escrevem sobre as singularidades do país que os acolheu. Os textos assentam, em geral, em episódios pontuais, pormenores anedóticos dos quais extraem considerações largas, muitas vezes exageradas, sobre a psique dos espanhóis e a sua maneira de ser. Muitos estereótipos vêem-se confirmados: o suíço repara na desordem, na falta de sentido cívico, no egocentrismo; a inglesa, em como são diferentes os hábitos na bebida; o alemão encanta-se com a informalidade no trato; a italiana comenta as modas; a japonesa reflecte sobre problemas de comunicação. Mas o português tem uma singularidade: o português fala de Portugal.
«Portugal existe» é o título bem expressivo do texto de Nuno Ribeiro, correspondente do Público há quase 15 anos em Madrid, mas um dos três que não escreveram o seu texto em castelhano (para provar que Portugal existe?). Ribeiro fala sobre Portugal, no espelho espanhol: a forma como eles nos vêem, a persistência de estereótipos antigos sobre um povo «amável», de bons atoalhados e 1001 maneiras de cozinhar bacalhau; o desconhecimento, o desinteresse, o paternalismo. Nuno Ribeiro começa com a história dos esforços diplomáticos portugueses, no final dos anos oitenta, para que nos mapas metereológicos dos media espanhóis o rectângulo do lado adquirisse um nome (em vez de ficar incógnito, ou sem fronteira desenhada, ou um mero espaço vazio como se o mar fosse até Badajoz). E termina com as dificuldades que encontra para ser Ribeiro, não «Ribero», e como prescindiu de ser «Afonso», face à inevitabilidade de ficar para sempre «Alfonso».
Curiosa coisa esta: dezoito correspondentes, todos falando sobre os outros, sobre os espanhóis, excepto um. Todos fazendo comparações com o seu próprio país, uns com graça, outros com rigor – excepto um. Um, um só, apenas um, fala e se pergunta sobre o seu próprio país: como nos vêem, se nos percebem, se existimos. Estranha coisa esta, até que voltamos ao início e lemos as primeiras linhas do prefácio, de Miguel Ángel Bastenier, jornalista do El País. Diz assim:

«Dieciocho corresponsales extranjeros en Madrid de diez nacionalidades diferentes – si es que la portuguesa es de verdad extranjera (…)»

Se existe? No creo. Pero que lo hay…