Don’t date him, girl é o nome de um site norte-americano, visitado diariamente por seiscentas mil a um milhão de pessoas, em que as mulheres inscritas (cerca de 720.000) depositam informações sobre homens que as enganaram, ou que elas acham que as enganaram. Há 18 mil delinquentes recenseados. O assunto tem sido tratado por jornais no mundo inteiro (incluindo em Portugal), que geralmente se focam na devassa da privacidade pela internet, na possibilidade de difamação e nas acções jurídicas intentadas por alguns destes homens, que se sentem injustiçados. Mas o aspecto mais interessante do caso talvez esteja antes disso – no facto em si, na ideia do site.
O nome, desde logo, é sugestivo: «don’t date him, girl», e o «girl» final não tem outra função que não seja enfática, maternal, apaziguadora. «Girl» é «rapariga», mas é também «menina». Depois há este paradoxo muito curioso: todos os depoimentos têm como ponto de partida uma mulher que diz às outras para elas não fazerem, não experimentarem, não tentarem aquilo que ela mesma já tentou. A ambivalência que está contida nisto, nalguns casos, é muito manifesta. Veja-se o caso de Todd Hollis, um dos mais badalados, que é descrito assim por uma das suas ex-namoradas:
«Escuro e atraente, parece um sonho de chocolate. Até que o conheces. (…) Tem casos em todos os códigos postais dos EUA. É uma bomba («He’s hot»)… Não se deixem enganar por ele, meninas.»
É difícil imaginar um texto promocional que fosse mais convidativo. Este homem é simplesmente irresistível (um sonho, um doce, uma bomba); a única maneira de o evitar é manter-se à distância, porque ele tem magias que enfeitiçam mulheres através de um continente inteiro.
É claro que o que aqui está presente – ou presente pela ausência – é a culpa. «Don’t date him, girl» denuncia os homens, culpabiliza-os, ao mesmo tempo que paternaliza as mulheres, para evadir o problema da culpa. Um homem irresistível é um homem a que não se pode resistir. Uma mulher que não pode resistir é uma mulher que não tem responsabilidade nem culpa. A mulher não é bem uma mulher: é uma rapariga, é uma menina. Culpa – mas de quê?
Acho muito interessante como permanece vivo o problema da culpa com relação ao sexo em sociedades supostamente liberais - em sociedades, dizem-nos todos os dias, completamente liberais no domínio do sexo, excessivamente libertadas. O que este site ilustra - e a própria foto da criadora do site, Tasha Joseph, ilustra - é o paradoxo de uma sociedade em que os padrões estéticos se sexualizaram muitíssimo (Tasha Joseph é uma mulher «arranjada», «produzida», «atraente»), mas isso convive com um discurso sobre o sexo que não mudou muitíssimo. A mulher pode ter relações sexuais fora do casamento - mas elas têm de ser justificadas por um imaginário romântico tradicional, ou por uma irracionalidade, uma anulação da vontade própria (o homem «irresistível»). Fantasias que remetem para a violação – fantasias de serem aprisionadas, encostadas à parede, assoberbadas durante o acto sexual – são as mais comuns, e, em muitos casos, talvez o único mecanismo que permite à mulher libertar-se da culpa.
Um site destes poderia ser feito por homens? «Não saias com ela, rapaz, que é um perigo, vais estar indefeso e vulnerável, ela é uma bomba irresistível»? Um site desses estaria cheia de fotos das mulheres «irresistíveis» – mas seriam, suspeito, fotos de outra natureza. E seria possível em países de costumes liberais e igualdade sexual, como a Suécia, ou a Dinamarca? Existe nos EUA, em grande escala pública, com um milhão de visitas por dia; em breve existirá em espanhol, e algo me diz que em Portugal também não seria impossível.