quinta-feira, dezembro 07, 2006

O preservativo está a um preço caríssimo

Bem sei que não vale a pena perder demasiado tempo com ele: Vasco Pulido Valente é Vasco Pulido Valente, nas suas qualidades e nos seus defeitos, e quem o lê não vai propriamente à procura do rigor no facto e no argumento. O maior trunfo do colunista (para além dos literários) é a originalidade; e este cronista em particular é capaz de viajar a galáxias distantes à procura disso. (Não foi ele quem anunciou ao mundo que a derrota dos republicanos nas eleições de Novembro nada teria que ver com o Iraque?) O texto do último sábado, que proclama:

«Por muito que doa a uma certa demagogia, materialmente, a questão do aborto acabou por se tornar numa questão residual. O uso dos contraceptivos (que não custam caro) e, sobretudo, a “pílula do dia seguinte” (venda livre a menos de quatro euros) fizeram do aborto o resultado da ignorância, da irresponsabilidade ou da má sorte.»

O Doutor Pulido Valente não tem, possivelmente, a menor ideia do preço dos preservativos: à unidade são mais caros do que o jornal onde escreve, o que é sem dúvida uma tremenda injustiça. Além disso, em muitas desafortunadas circunstâncias as pessoas nem sempre gastam apenas um para cada, digamos, «utilização»: há muito preservativo que se estraga. E por fim há ainda uma diferença – estatisticamente muito significativa – entre a eficácia «de laboratório» obtida pela borracha, e a sua eficácia real, na prática concreta das pessoas, que tem a ver com a forma como ele é utilizado.
O que me impressiona muito nos colunistas que se exprimem sobre o aborto é, frequentemente, a forma como minimizam a capacidade de espermatozóide e óvulo se juntarem apesar da vontade dos respectivos progenitores (suponho que se possa dizer assim). De nada adianta vilipendiar as pessoas pelas gravidezes indesejadas. A gravidez acidental é produto de muitas circunstâncias, desde a falta de informação, ao desleixo, à indisponibilidade de anticoncepcionais. Mas é também um facto da vida, da propensão natural do ser humano para o erro e para a falibilidade. Como escrevi outro dia, «acontece, e mais vezes do que se supõe, mesmo a cidadãos íntegros e conscienciosos, infalivelmente racionais, e prudentes até à cópula.»