quinta-feira, março 08, 2007

Cenas da luta de classes na América Andina

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A primeira vez que tropecei no nome de María Consuelo Araújo foi há menos de dois meses, no Público. Jovem (35 anos), de sardas, estava incrivelmente bonita na fotografia que ocupava quase uma página. Nas redacções dos jornais, a visita da Ministra dos Negócios Estrangeiros da Colômbia a Portugal também causou burburinho. Da Colômbia? Da Colômbia, pensamos em traficantes de droga, Pablo Escobar, grandes bairros de lata, assassinatos com armas de fogo em Bogotá e Medellín, homens cabeludos e excêntricos como Valderrama, como Higuita (o guarda-redes que nunca estava na baliza), ou no defesa que no Mundial de futebol de 1994 marcou um auto-golo fatídico: propriamente fatídico, que por causa dele foi assassinado ao regressar ao país. Pensamos em índios, em gente mestiça; pensamos menos em loiros, de olho azul, que também os há entre a elite, ou em ministras jovens, modernas, imaculadamente brancas, com mestrado nos Estados Unidos. María Consuelo Araújo – informei-me em Janeiro – tem o crédito moral de ser sobrinha de uma jornalista, e depois ministra, que foi raptada pelas FARC e assassinada em 2001.

A segunda vez que tropecei no nome de María Consuelo Araújo foi há quinze dias. O irmão, Álvaro Araújo, é um dos oito parlamentares da maioria que sustenta o governo a ter sido preso, acusado de ligações aos grupos paramilitares, a quem teria garantido favores em troca de votos obtidos por meio de extorsão e intimidação. O pai da ministra, também ele antigo deputado e ministro, está igualmente sob investigação no âmbito do mesmo assunto. As ligações da maioria parlamentar de direita aos grupos paramilitares põem em causa a credibilidade do governo colombiano, tanto no plano interno como no externo, quer por questões de respeito pelos direitos humanos, como pelos compromissos assumidos com os Estados Unidos no combate ao tráfico de droga. Os grupos paramilitares controlam grande parte do tráfico de cocaína e são acusados de alguns dos piores massacres perpetrados na guerra civil que assola o país há décadas. A posição política de María Consuelo Araújo, com a sua biografia e a sua família, tornou-se insustentável, e a ministra caiu.

É fascinante a quantidade de coisas que a fotografia de uma ministra bonita, jovem, imaculadamente branca, de sardas, com mestrado nos Estados Unidos, nos sugere sobre um país.